O aprediz de feiticeiro: realidade, imaginação e magia.

... A leitura dos poemas dO Aprendiz de Feiticeiro parece-nos confirmar a eterna aspiração de Mario Quintana de fazer da poesia uma espécie de “reino da imagem” . Nessa obra, o poeta demonstra como nunca sua crença de que a imaginação é o “dom exclusivo da criatura humana e signo da sua realeza” (Caderno H (1973), p.50), condição imprescindível para a atividade criadora.
Alguns textos da obra parecem levar ao extremo a Ideia de que a poesia deve ser pura imagem da fantasia, pura sugestão. Torna-se impossível ao leitor relacioná-los à lógica do mundo sensível, pois esses poemas parecem procurar reduzir ao mínimo possível a sua função de referencialidade:

“Sempre

Jamais se saberá com que meticuloso cuidado
Veio o Todo e apagou o vestígio de Tudo
E
Quando nem mais suspiros havia
Ele surgiu de um salto
Vendendo súbitos espanadores de todas as cores!” (O Aprendiz de Feiticeiro (1950), p.157)

Mesmo que textos como esse façam uso de um vocabulário simples, cotidiano, o sentido de suas palavras não é facilmente apreensível e os versos revestem-se de um caráter insólito. Se as frases poéticas apresentam-se em uma ordem convencional, isso não as torna, porém, mais claras e unívocas. Outros elementos ainda colaboram para o hermetismo do texto, como a presença dos pronomes indefinidos “Todo” e “Tudo”, marcados por iniciais maiúsculas, num sinal de que pertencem à verdade da arte, à instância supra-real de que falávamos anteriormente. Nela, concreto e abstrato se misturam, natural e sobrenatural podem coexistir. Esses elementos indefinidos são fundamentais na estrutura do poema, mas sua identidade permanece indecifrável ao leitor. Este ainda se depara com um “E” sozinho no verso central, o qual não parece exercer simplesmente sua função convencional de união e acréscimo de Ideias, mas serve como um elemento de divisão, separando o texto em duas metades. Isso se justifica se considerarmos que a segunda parte contém um sentido de movimento, cor e alegria, em oposição ao sentido de destruição e ao silêncio misterioso que emanam dos primeiros versos. O início nos apresenta uma realidade abstrata, indefinida, em contraposição ao sentido mais concreto dos últimos versos. Em todo o texto, porém, o leitor sente uma carência de referentes internos e externos (quem ou o que é o “Todo”? O “Tudo”? “Ele”?) que impede qualquer procedimento de associação. Vemos que a linguagem poética convencional é subvertida, assim como o sentido de realidade.
Diante de tudo isso, resta-nos apenas uma impressão deixada pelo texto, não um significado preciso. Ele nos traz um sentido de renovação, renascimento: do nada, do completo silêncio, surge “Ele” e traz cor, movimento, através da imagem dos espanadores coloridos. Num exercício interpretativo, podemos dizer que Quintana representa o momento da criação poética. Da destruição, da ausência de sentido do real, da completa desolação, o artista é capaz de gerar uma nova realidade. Mas é inegável que o poema procura os sentidos múltiplos, desvinculando-se de qualquer aspecto de objetividade e impedindo leituras definitivas...


Extraído do trabalho: O APRENDIZ DE FEITICEIRO: realidade, imaginação e magia na obra de Mario Quintana.
Autoria de Doris Munhoz de Lima - Dissertação apresentada ao Curso de Pósgraduação em Letras da Universidade Federal do Paraná, Curitiba - 2008