Perfil

Este Poeta vive como ninguém o silêncio das noites caladas; e povoa a solidão de mil murmúrios: o bulir do arvoredo, o rugir dos ribeiros, a frauta dos pastores, o lúgubre pio dos mochos e o gorjeio límpido dos rouxinóis. (…) Esta música, pela qual se exprime o ritmo interior, nunca é uma adaptação ou imitação consciente; não encontramos, por exemplo, em Bernardim Ribeiro o ritmo onomatopaico tão frequente em Camões. A música de Bernardim não é literária, mas verdadeiramente musical: converte em ritmo, em vibração audível, a própria alma universal das coisas e não a sua existência externa; é a própria vibração da vida, que se dilui em som.
Na obra de Bernardim Ribeiro - tanto nas líricas do Cancioneiro Geral, como nas Éclogas - encontramos alguns temas e lugares-comuns característicos daquele Cancioneiro. Bernardim coisifica a Esperança, o Cuidado, a Mudança, o Tempo, o próprio eu convertido em objecto, ou mim. Combina-os, opõe-nos num jogo de extrema subtileza e de denso significado. A emoção com que se desentranha do sujeito, se objectifica em relação a ele, num desdobramento múltiplo da personalidade, que fica como que assistindo a esse jogo das coisas no qual se converte. O Eu contempla o Mim, o Cuidado, a Esperança, a Mudança que ele próprio foi ou está sendo. Na finura com que se exprime uma tal alienação psíquica, há uma dialéctica precursora de Fernando Pessoa.
Outro aspecto que salta à vista nestas composições é um certo apego narcísico à dor, ou talvez melhor, uma vontade de viver a dor até ao fim, de a transcender, explorando-a.
A Écloga portuguesa é exclusivamente lírica, de tom lamentoso, e tem por obrigada composição o fundo permanente da paisagem com seus adornos pastoris ou piscatórios - mais daqueles que destes - e dum primeiro plano em que o protagonista ou protagonistas se lamentam de seus infelizes amores. São sempre infelizes esses amores e é essa sua infelicidade que as torna matéria literária. consiste a causa dessa infelicidade no abandono dum dos amantes que parte para "longes terras".
Bernardim Ribeiro é que fixa esses caracteres à écloga, que cultiva com brilho, não comparável ao pequeno êxito dos ensaios de Sá de Miranda nesse género. Fixa-lhe também Ribeiro uma forma métrica própria, a redondilha menor, depura-a de elementos míticos, dá mais alguma naturalidade e sequência lógica ao discurso e introduz o gosto dos jogos de palavras homónimas e as repetições paralelísticas.

Fonte: www.lithis.net