O ABC do poeta do povo

Por Rômulo Radicchi

Publicado em março de 1941, ABC de Castro Alves, do escritor Jorge Amado, é considerado a principal e mais consistente biografia do Poeta dos Negros. Escrito ainda na chamada primeira fase de Jorge Amado, período em que o escritor faz um parêntese no seu trabalho de romancista. A biografia apresentou ao povo brasileiro um Castro Alves em toda sua amplitude, apontando, sobretudo para a juventude, as características literárias e a personalidade de um poeta revolucionário que dedicou sua breve vida às lutas de seu povo.
Escrito entre os anos de 1940 e 1941, durante o auge do Estado Novo fascista de Getúlio Vargas, a biografia de Castro Alves surgiu com o objetivo fundamental de trazer para o conjunto da sociedade brasileira um relato claro e ao mesmo tempo profundo de um artista do povo que nunca se entregou ou se vendeu, e que conseguiu fazer da beleza e qualidade dos seus versos, um incentivo para os lutadores do povo perseverarem na luta pela construção de um mundo novo.
Obras como Capitães da Areia (1937), Terras do Sem Fim (1943) e o próprio ABC de Castro Alves (1941), "caíram como uma luva" na luta ideológica contra a gerência varguista. Apesar da contingência política, resultante do golpe de 1937, inibir a presença destes livros nas livrarias brasileiras, os revolucionários, democratas e progressistas não mediram esforços para que os livros de Jorge Amado e outros que expressavam o realismo fossem lidos e apreciados pelo povo brasileiro.
Na introdução com um acalanto, as páginas iniciais do livro, Jorge Amado já deixa claro a importância de Castro Alves no cenário da literatura e da política brasileira do século XIX "...assim negra, foi Castro Alves. Tinha a força do vento noroeste, o seu ímpeto, e sua violência. Tinha a sua beleza também. E deixou o ar mais puro, a sua lembrança imortal."
É previsível que um questionamento passe pela "cabeça" do leitor. Como uma breve vida de apenas 24 anos preencheu uma biografia escrita de A a Z e com mais de 300 páginas? Não são muitos capítulos e páginas para pouquíssimo tempo de vida?
Em se tratando de Castro Alves a resposta é não. O poeta teve uma vida intensa desde a infância até a morte aos 24 anos. A letra A mostra o nascimento do poeta no sertão, na fazenda Cabaceiras: "...aí nasceu também Castro Alves, filho de Clélia Brasília, irmã de Porcía. Aquele que havia de cantar uma a uma as belezas do sertão e os sentimentos dos sertanejos, nasceu quando a tragédia de sua tia alcançava o seu fim". Assim, as letras vão se seguindo na biografia, sendo que, a B retrata a primeira casa em que viveu Castro Alves, na Rua do Rosário, além de apresentar a personalidade dos pais do futuro poeta e as influências dos mesmos no seu desenvolvimento.
Nas próximas letras é apresentado o destino do poeta. Recife era sua ambição. "Recife deu às suas gerações homens de letras, através dos movimentos revolucionários ... a Ideia da república, o magnífico movimento da Abolição, iriam encontrar em Recife o berço mais indicado para o seu alvorecer, o seio mais indicado para permitir o seu crescimento." Na Capital de Pernambuco, onde chegou em 1863, o poeta viveu experiências que marcaram profundamente sua vida: os primeiros sintomas da doença pulmonar; o início de seu romance com a atriz portuguesa Eugênia Câmara; o desequilíbrio mental do irmão e decorrente suicídio, ocorrido em 1864, mesmo ano em que o poeta iniciou o seu curso de direito.
Em 1868 vai para São Paulo acompanhado de Eugênia Câmara e do amigo Rui Barbosa, onde passa a ter contato com as Ideias abolicionistas do momento, e meses depois funda a sociedade abolicionista. Nesse mesmo período, matricula-se no terceiro ano da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde declama pela primeira vez o poema Navio Negreiro: "...mas já é tão poderosa a voz do homem que chama pela liberdade quase tanto como a daquele que é livre. Assim é a voz de Castro Alves... voz rebelde, à frente dos homens negros, da sua revolta, da sua vingança."
Ainda nesse ano é abandonado por Eugênia e, durante uma caçada, fere acidentalmente o pé com uma arma de fogo. Esse acidente provocou a amputação de seu pé e, logo em seguida, sua tuberculose agrava-se e o poeta vai para a Bahia, onde falece em 06 de julho de 1871. "Castro Alves, negra minha, toma da mão da Morte, convida-a num galanteio, parte com êles."
A obra de Castro Alves foi fortemente influenciada pela literatura político-social de Vitor Hugo. O poeta, diferentemente dos românticos tradicionais, interessou-se também pelo mundo que o cercava e defendeu a república, a liberdade e a igualdade entre os homens. Castro Alves, segundo Jorge Amado, teve como o maior de todos os seus amores a Liberdade.
Se por um lado a temática social adotada por Castro Alves já o aproxima do realismo, por outro a sua linguagem, repleta de figuras de estilo, o enquadra perfeitamente no movimento romântico. Contudo, diferentemente de seus contemporâneos, raramente idealizava a figura feminina.
Sem sombras de dúvidas a poesia de Castro Alves chicoteou os escravocratas. Foi uma arma nas mãos dos negros e dos homens que apoiavam suas causas de libertação. Castro Alves foi um artista que encarou a vida de frente e que não teve medo de se envolver nos problemas dos homens.
ABC de Castro Alves, como outros livros do romancista baiano, é "daqueles livros de se ler em um fôlego só", além de apresentar particular importância para o momento em que vivemos, onde as classes dominantes insistem em criminalizar qualquer luta consequente do nosso povo e disseminar uma cultura "enlatada" que ignora os nossos verdadeiros artistas.
No entanto, para os amantes da liberdade, Castro Alves será sempre lembrado. Seus poemas serão sempre recitados e suas bandeiras de luta sempre desfraldadas, porque, como disse Jorge Amado, Castro Alves nasceu dos desejos do povo, das necessidades do povo. Ele nunca mais morre, é imortal como o povo.
O ABC é uma forma poética usada na literatura de cordel. Geralmente o autor escolhe a vida de uma personalidade ou um tema qualquer e discorre sobre ele com frases iniciadas de A a Z. Jorge Amado fez isso na prosa com ABC de Castro Alves.

Fonte: www.anovademocracia.com.br