Nome da Escritora: Luciana Carvalho dos Reis

escritora Luciana Carvalho dos Reis

Local de Nascimento: Rio de Janeiro RJ

A simples presença do outro

Parágrafo, vírgula, ponto, os sentimentos ainda confusos aqui dentro de mim. Não sei se devo colocá-los para fora, talvez se eu gritasse para todos ouvirem. Quem sabe? Talvez, não sei. Vivo a sufocar uma ponta de inveja das pessoas felizes com tão pouco, simplesmente a presença do outro, um sorriso, um olhar. Como a vida é simples e a entrega é tão difícil.
Certo dia, caminhava pela calçada no centro da cidade e deparei-me com ela, cabelos lisos e ralos, a pele branca que o tempo não soube perdoar, seus olhos de um azul tão intenso que me chamou atenção. Foi naquele momento que pude mergulhar na imensidão de seus olhos e perceber a saudade das coisas que havia vivido. Estava numa cadeira de rodas e olhava pelas grades do portão. De repente, poderia estar se perguntando sobre o porquê das grades se estava numa cadeira de rodas e isolada do mundo que já pertencera?
Mais um parágrafo, vírgula e ponto, quiçá quisesse caminhar, gritar, ser ouvida. Talvez... Talvez, sentisse um pouco de inveja das pessoas que estavam do lado de fora daquele asilo. Quem sabe, quisesse voltar a ser menina, moça e viver seu primeiro amor, de repente único amor. Aqueles olhos azuis poderiam estar lembrando-se do nascimento do primeiro filho ou do último, da primeira vez que esse filho lhe chamou de mãe, do abraço caloroso e repleto de amor ou ainda a primeira travessura.
Já é o último parágrafo entre vírgulas e pontos. Tento voltar à superfície daqueles tão cansados olhos azuis, salto de uma imensidão e de uma alma encarcerada, volto para o lado de fora das grades, agora em meu corpo posso sentir o gosto da saudade das lembranças daqueles olhos, da simplicidade de um sorriso, da simples presença do outro e daquele olhar que me chamou atenção.

Formação Acadêmica: Mestrado em Andamento pela Olford Walters University (USA)

Antigo verão, à Luciléia Gilles – 27/01/2014.

Pensei descansar e para isso, nada melhor do que ouvir as ondas do mar, a sensação é de um deleite garantido. Então, resolvi ir ao litoral do estado, claro que não na época de alta temporada, até por que provavelmente voltaria mais cansada.
Sei que para muitos é uma questão de gosto, mas não estou aqui para discutir sobre isso, meu propósito hoje é lhe convidar para um passeio pelas areias brancas do litoral, lhe convidar a sentir a água gelada do mar pela manhã, a observar as marcas deixadas pelos nossos pés na areia molhada pelas ondas do mar.
Ao chegarmos à praia o que sentimos, o sol... Ainda fresco, posso ver em seus olhos o quanto são valiosas nossas caminhadas matinais. E é esse olhar que faz de você uma pessoa tão especial, de uma beleza interior inigualável.
Caminhávamos descalças, os pés tocando o solo e descarregando todas as energias negativas do cotidiano. Ah.... Como era bom sentir a areia. Começamos a analisar quantas conchinhas havia naquela orla, eram inúmeras e de variados tamanhos. Avistamos também um grupo de idosos se exercitando na areia, seguravam o bastão e viravam para esquerda e para direita num movimento contínuo, de um lado a outro sempre segurando com as duas mãos.
Começamos a discutir sobre as conchinhas e sobre as borbulhas deixadas na orla após a espuma que o mar deixara para areia absorver. Algumas dessas conchinhas pensei em recolher e até pude levá-las comigo. Na verdade, elas representavam uma lembrança boa, nossas caminhadas, a brisa fresca da manhã, as ondas beijando nossos pés, enfim a gratidão por mais um verão.

É mestranda em Ciências da Educação, graduanda pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e possui graduação em Letras: português, inglês e respectivas literaturas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Alegre, além de três especializações: uma em Língua Inglesa e outra em Letras: português e literatura, além de uma terceira em Língua e Literatura Espanhola.
Concluiu as disciplinas: Literatura, gênero e discursos marginais; Teoria da Literatura: lendo nas linhas também o não linear e Tópicos Especiais - uma poética da transculturação como aluna especial do mestrado em Estudos Literários na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atualmente é docente concursada pela Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo, SEDU. Pertenceu a equipe de elaboração de itens da prova PAEBES e pertence ao grupo de pesquisa GEITES (Grupo de Estudos Interdisciplinares de Transgressão) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Tem exp eriência na área de Letras, com ênfase em Letras.

Despedida

Vá.... Siga seu caminho, meu amigo, meu companheiro de tantas jornadas. Em uma estrada paralela a sua, acompanhando os seus passos, eu seguirei. Não adianta mais discutir, nem reconhecer qual de nós dois foi o culpado. Nem continuar nos iludindo e fingindo um grande amor que já morreu. Chega! Não dá mais para disfarçar, nem suportar essa nossa vida de mentiras. Não mais importa quem errou ou quem traiu. Quem ganhou ou quem perdeu. Temos que encarar a realidade, aceitar que tudo acabou e só restou à amizade. É doloroso, mas nosso caso não tem mais solução. Temos que nos dizer adeus.
Vá.... Siga sua vida, meu homem, meu companheiro de uma longa existência. Acredite. É bem melhor que seja agora, enquanto ainda existe uma amizade. Vamos procurar esquecer nossas mágoas, nossos sofrimentos e indiferenças. Aceitar essa nossa despedida sem ódio, sem brigas, sem ofensas e sem rancor. Pense: nada nessa vida acontece por acaso, nem dura para toda a eternidade. Cada encontro, cada separação, cada partida, foi o nosso destino que traçou. O que você ganhou e depois perdeu, não lamente, pois nunca lhe pertenceu. Foi só um empréstimo da vida, uma ajuda, para enriquecer suas experiências.
Vá... Amigo. Não sofra por mim. Aproveite as novas chances que lhe esperam. Leve de nossas vidas, boas lembranças, experiências que iluminaram seus dias. Não estrague seu futuro, remoendo frustrações e infelicidades de seu passado. Nem machuque quem lhe espera e pode oferecer o que entre nós não foi possível. Aproveite tudo de bom que surgir em seu caminho, viva com prazer intensidade. Não construa mais castelos que possam desmoronar e nem busque o impossível.
Conhecermo-nos não foi em vão. Teve o seu tempo, sua razão e sua finalidade. Foram lições de vida que o ajudarão a seguir em frente e a atingir novos objetivos.

Site/Blog: lucianareis1.wix.com

O letramento e a alfabetização

Ao contrário do tradicional conceito de alfabetização, em que os alunos deveriam dominar as habilidades de leitura e escrita de forma mecânica, sem a preocupação com a capacidade de interpretar, compreender, criticar; o letramento apresenta-se como um processo em que o ensino da leitura e da escrita acontece dentro de um contexto social e que essa aprendizagem faça parte da vida dos alunos efetivamente. As habilidades adquiridas na escola devem fazer parte das relações comunicativas dos indivíduos.
Todavia, o letramento tem um sentido ampliado da alfabetização, pois consiste em práticas de leitura e escrita, que vão além da alfabetização funcional, em que indivíduos são alfabetizados, mas não sabem fazer uso da leitura e da escrita; muitos não têm habilidade sequer para preencher um requerimento.
O processo de alfabetização pode acontecer a partir de outros suportes, como jornais e revistas, não ficando restrito apenas ao livro didático, para que as habilidades de leitura e escrita aconteçam dentro de situações reais de comunicação, sem falar na riqueza de imagens e diversidade de gêneros textuais que esses suportes apresentam o que poderia contribuir com a visão crítica e cidadã dos envolvidos no processo de aprendizagem.
Entretanto, letramento não significa necessariamente o resultado de ler e escrever. É o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita. Como exemplo desse processo, podemos mencionar a leitura de uma história, feita pela mãe, para uma criança dormir; ou pela professora nas séries iniciais para os alunos. Essas crianças estão num processo de letramento, ou seja, estão convivendo com as práticas de leitura e escrita.
Enfim, nesse sentido faz-se necessário uma educação escolar que priorize bases teóricas, como o Construtivismo, por exemplo, que levem em consideração o letramento e a alfabetização como processos e tragam novos sentidos para o ensino-aprendizagem.

escritora Luciana Carvalho dos Reis

Livros Publicados:
O ensino da Língua Espanhola na escola pública

Cantiga de Amigo

Sentada a areia, reclamando ao mar.
Noites e dias sempre a te esperar
Onda do mar que não me deixa amar,
Onda do mar deixe este amor voltar!

Neste paraíso surgiu um amor.
Vivo o tempo e sempre e tanto a clamar,
O paraíso levou meu amor.
Onda do mar deixe este amor voltar.

Amor, felicidade a transbordar,
Pó, cinzas e saudades a restar.
Onda do mar deixe este amor voltar.

Mar azul, águas claras, cristalinas,
Levou o amor para tão longe de mim,
Onda do mar, meu amor é sem fim.

Site/Blog: lucianareis.tambemescrevo.com

Metáforas na dissertação

Algumas vezes os alunos me perguntavam se é permitido o uso de metáforas na dissertação argumentativa, aquela que geralmente é exigida no ENEM. Bom, proibido não é, mas esse é tipo de coisa não se recomenda. Vou explicar melhor: a metáfora constitui um desvio semântico, que extrapola os limites da linguagem referencial.
Quem usa metáforas está expressando estados afetivos e emocionais, como por exemplo: “Você tem o coração de ouro. ” O ouro, aqui não significa metal precioso, mas bondade. Não é esse o objetivo do texto dissertativo, uma vez que dissertar é expor com objetividade opiniões sobre determinado aspecto da realidade. É por ela que se mede o poder de argumentar do aluno, que deve expor com louvor seu ponto de vista.
A metáfora exige imaginação e domínio linguístico. Funciona tanto por seu conteúdo quanto por sua forma e a fonte que as renova é o texto poético e não o texto em prosa. Isso não quer dizer que a dissertação não deva ser expressiva.
Como conceitos existem a partir do mundo real, mesmo o pensamento abstrato precisa de elementos concretos para se formular. São bem-vindas as metáforas que concretizam noções abstratas e dão suporte e vigor ao pensamento. Quando o assunto é “eixo da argumentação”, está se usando metáfora, e ela não é poética, é funcional. É isso que o aluno deve discernir a diferença entre poética e funcionalidade. Uma metáfora poética tem seu sentido conotativo e exige a imaginação para sua significação, já uma metáfora funcional, também tem seu sentido conotativo, mas é aceito para explicar algo informativo, por falta de significação mais adequada.
Outro dia, em uma de minhas aulas, a temática da dissertação foi às incertezas da adolescência, um dos meus alunos referiu-se à “antessala do medo”, sugerindo ansiedade, ameaça futura. Nada mais funcional do que a imagem de uma antessala para separar o perigo real da ideia de temor que ele tem. Metáforas como essa não constitui nenhum despropósito.

Site/Blog: aredepedagogica.blogspot.com.br

Deus, perdão

Deus, perdoe-me, sei que o tenho ofendido
vivo naquela triste solidão
Senhor sei que sou e fui delinquido
Perdoe pai, este infeliz coração.

Coração, ainda se encontra ferido
Ele vive numa enorme ilusão
Estou sim, pai, por demais abatido
Preciso de sua graça e salvação.

Salvação, vejo longe, me seduz
Mas pai, por demais é minha vaidade
Meu Deus o que eu preciso, é de sua luz.

A luz Senhor, meu rei, que me conduz,
Me conduz, Senhor a simplicidade,
Verdade, coração, Jesus e luz.

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Data de Nascimento: 09/04/1977

Livro O ensino da língua espanhola na escola pública

Cidade de Deus: uma overdose de “efeito da realidade”

Publicado em 1997, o romance de estreia do escritor carioca, Paulo Lins, nos narra o crescimento populacional de Cidade de Deus e a formação da rede do tráfico de drogas que vai gerar inúmeras disputas e guerras durante os anos sessenta e oitenta. Ao longo de quase doze anos o que se pode entender é que o tempo ajuda a perceber, sem o risco de partidarismos, a dimensão do impacto de Cidade de Deus (2002). Impacto que então não mais esconde seus segredos. A leitura que se apresenta no decorrer da obra busca uma reflexão para uma possível consciência dos problemas sociais apontados e a overdose de cada ato de violência não costuma ter sempre a cobiçada longevidade das obras-primas clássicas.
Como se pode observar, o menu temático construído no romance de Lins é a constante ameaça que se segue de maneira brutal e fragmentada com palavras, atos, gestos pelos quais se exprime a vontade que se tem de fazer mal a alguém: o discurso é cheio de angustias e rivalidades, o que gera a violência.
O narrador onisciente se torna testemunha e nos confessa toda a barbárie desse espaço descontextualizado e descentrado, fragmentado de histórias. Lins, por ter vivido durante vinte anos na Cidade de Deus, recria de maneira brilhante a linguagem dos malandros, repleta de gírias e palavrões, dando originalidade a sua narrativa. O autor nos entrega o mundo dos excluídos, criminosos e favelados.
Deste modo, podemos acompanhar as transformações linguísticas, geográficas e simbólicas da marginalidade. A situação exposta não mais corresponde a de cidade turística cheia de cordialismos, mas a de delimitação de territórios impostos pelos próprios traficantes e pela sociedade. Apesar de existir a tentativa de centralização do poder na favela, o fluxo caminha a lentos passos à descentralização e disputas por esses espaços. Entretanto, cabe salientar que a obra esboça, pura e simplesmente, as condições humanas entregues à vulnerabilidade e à incredulidade – implacáveis ao subterrâneo universo do que conhecemos e/ou entendemos por “favela”.
Sob o signo do assustador e ainda temido “efeito da realidade”, Lins tece com habilidade cinematográfica, uma narrativa recheada de sordidezes, tragédias e violências – físicas, simbólicas, psicológicas e sociais.
Infindáveis são as temáticas que poderiam ser desenvolvidas a partir da leitura do romance – especialmente quando, em alguns momentos, ou por falta de objetividade científica, ou por instinto, nos deixamos levar pelos memoráveis recortes do filme dirigido por Fernando Meireles.
Lins relativamente toma Memórias de um sargento de milícias por incorporar um estilo jornalístico e direto da linguagem das ruas. O autor não inventa seus personagens, “ele os pré-encontra já dada independentemente do seu ato puramente artístico, não pode gerar de si mesmo a personagem”, pois “esta não seria convincente”. (Bakhtin, Estética da Criação Verbal, 2003, p. 184-185).
Com a estreia do filme dirigido por Fernando Meireles, mudam-se os nomes de alguns personagens, inclusive os protagonistas. Assim também são relevantes os trechos inteiros e personagens secundários que foram excluídos da história, por sugestões de editores, o que nos faz pensar na influência do filme e na ideia de tornar o livro mais aceitável a um leitor médio. Outro fator apontado pelo autor que incidiu entre a primeira e segunda versão foi o número de processos que ele estava sofrendo por parte das pessoas que se auto reconheceram na obra e que queriam ser indenizadas pelo uso de seus nomes. Esses processos aconteceram após a representação fílmica do romance, já que os reclamantes não se encaixavam em um público leitor. Dessa maneira, a obra se tornou mais comercializável e atraente, o corte feito ao número de páginas - foram mais de 140 - corresponde à média quantitativa das produções recentes disponibilizadas no mercado literário.
Nesse contexto de crueldade, o belo e o poético perdem espaço para política do lucro através das agressões. O lirismo se contrapõe ao grotesco num clima de inversão e a morte interrompe a vida dos bandidos e policiais. A propósito, tanto Inferninho, Pardalzinho, Zé Bonito e Zé Miúdo tiveram em suas mortes um tom leve, poético e triste; em contrapartida há a morte do policial Cabeça de Nós Todo que teve o corpo ensanguentado, destroçado e arrastado numa carroça por todo o conjunto, recebendo vaias.
Cidade de Deus faz uma releitura crítica das representações do passado e sua atualização no presente das grandes cidades brasileiras – entretanto, nos referimos não só a obras anteriores como Memórias de um sargento de milícias, Fogo morto, Os sertões, mas a fatos históricos passados que tiveram como consequência o conjunto habitacional Cidade de Deus, com toda a problematização aqui apontada.
À proporção que o corpo e o espaço são alvos de violência e controle, o corpo e o espaço na obra revelam as tentativas de controle do Estado para uma situação irreversível, refiro-me à criminalidade e o narcotráfico - já que as categorias pertencentes à ordem como a polícia participam desse processo. Colabora não para o cumprimento das leis no início do romance, em contrapartida no terceiro e último capítulo, a polícia já está corrompida e participa do tráfico internacional de armas.
Outro fator relevante é a semelhança no “agir” do Estado com o traficante-chefe que domina e traça seu território: organiza o tráfico através da repressão, presenteia os trabalhadores e crianças, promove festas, impede assaltos e determina as leis que vigerão nesses “espaços autônomos”, em outras palavras, à favela. É nesse contexto que o sistema de controle e exclusão eclode sem precedentes fazendo com que os mecanismos de mediação social se fraturem, já que a fala encontra-se em declínio, pois “massacrada no estômago com arroz e feijão a quase palavra é defecada ao invés de falada. Falha a fala. Fala a bala” [destaque] (LINS, 2002, p. 21). Como a tentativa de negociar os espaços da exclusão e da “Cidade Maravilhosa” seja nula, a mensagem a ser extraída dessa situação é que, quando as mediações falham, o meio de expressão que resta é a violência.

EMAIL: luciana.reis@educador.sedu.es.gov.br

Local onde vive: Castelo ES

escritora Luciana Carvalho dos Reis

Leitura: tema para reflexão

A experiência imperdível da leitura e a busca de afirmação da subjetividade de alguém no mundo das palavras formam um leque de lances e conceitos quase infinito e têm lugar de destaque no território das reflexões sobre leitura.
Entretanto, a complexidade, a disponibilidade, a multiplicidade de sentidos, os arranjos sugestivos, as brechas de significação, mesmo nos textos referenciais, parecem solicitar mais do que uma leitura sob o crivo da razão, e é aí que entra o imaginário do leitor. Isso porque sentir, imaginar e criar são modos de pensar e também componentes praticamente simultâneos nas trilhas da leitura, nos caminhos da criação.
A leitura se move, com uma dinâmica muito singular, pelo desejo de entender, imaginar e recriar o mundo traçado pelas palavras e o mundo em que se vive de fato e pode ser revisto, reordenado e reinventado pela sensibilidade do leitor.
É da natureza do ser humano uma expressiva propensão para viver a fantasia e o fantástico pelo simples fato de viver e desejar transcender a realidade em busca de outros mundos, conhecidos ou imaginados, todos eles motivados e centrados na experiência real. Sendo o ato de ler uma experiência tão intensa que se funde e se confunde com o próprio ato de viver.
Ler é uma experiência essencialmente subjetiva e, quando lemos Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Rubem Braga e tantos outros, passamos a ser leitores criativos, guardamos e recriamos as suas palavras e personagens, no nosso universo íntimo e na vida coletiva, como nossas vivências e revelações.
Nunca é demais colocar em destaque que o ato de ler, percorrendo um território entre a realidade de fato e o jogo do imaginário, identificando sentidos e recriando outros, casando conhecimento com prazer, é uma experiência única e imperdível – é um lugar de liberdade, de aventura e também de criação.

escritora Luciana Carvalho dos Reis

Manuel Bandeira: a evocação de um passado recifense

Neste artigo, pretendo analisar se há, na atitude poética de Bandeira, com relação ao poema Evocação do Recife (Libertinagem), alguma força que não seja somente documental, mas de ancestralidade, de desejo de trazer à baila alguma coisa do mundo histórico das cidades ainda coloniais. Para isso, acho necessário tentar responder a uma pergunta: Há um tempo perdido no Recife?
Acredito que sim. O poema onde as lembranças se consolidam é escrito sob o signo de reminiscências e organizado também em função do Recife, sua terra natal, em Pernambuco. É nele que o lirismo de Bandeira se monta fortemente sobre o princípio analógico de algumas metaforizações do espaço físico, com que as coisas do mundo natural (exterior) podem passar a significar, por exemplo, coisas do mundo interior. É assim que ele põe em defrontação duas realidades como as figuras ocorrências que são atuantes no espaço exterior, natural – banheiros de palha, jangadas de bananeiras, ovos frescos e baratos e a preta das bananas com xale vistoso de pano da Costa – e as figuras-tipo que são atantes do espaço interior do poeta, já que aí a condição humana é decorrência da planetária.
Esse espaço interior, cultural, contextual, utiliza-se de tal modo das figuras-tipo, que tudo que o poema diga da primeira realidade funciona como plano de expressão da segunda realidade. O poema instrumentaliza o que ele mesmo diz do espaço exterior, fazendo-nos conhecer, por ele, o espaço interior do poeta o que o poeta diz, ficando a pertinência da transposição assegurada por um sema intersector – o fundamento da metáfora -, que garante existir algum traço ou alguns traços parcialmente iguais entre os termos da analogia.
O paraíso perdido da infância do poeta (que encontra seu plano de expressão exterior e interior, ao modo do parecer e ao modo do ser, nas figuras cosmológicas das paisagens, nos objetos que guardou na memória por associação – Rua da União, Rua do Sol, o cais da Rua da Aurora, Sertãozinho de Caxangá, Totônio Rodrigues que botava o pincenê na ponta do nariz), como veremos a seguir mostram que há elementos externos que estão no espaço interior do poeta muito fortemente e que simbolizam um sentimento de carinhosa veneração – no plano da lembrança/ ludismo.
Por que conservou o Capibaribe, o cais da Rua da Aurora e o pincenê do velho Totônio Rodrigues que pensava ser São José? Como figura meramente ocorrencial? Como figura desconhecida, não deve ter feito nenhum sentido na primeira leitura do poema, ainda descontextualizado. No entanto, mais tarde, essa figura tornou-se uma figura-tipo, já tendo sido conhecido o seu papel no espaço interior do poeta: não é um depoimento simples e ao acaso sobre a flora e o costume veneratório da região.
Totônio Rodrigues e o cais da Rua da Aurora constituem muito mais: Totônio Rodrigues participava das festividades folclóricas do Recife a festa de Santo Antônio e São José; o cais onde à produção de açúcar escoava rumo à Europa e o rio Capiberibe/Capibaribe que corta a cidade nordestina. Nesse poema o que está no exterior não é somente fingimento. Há sim, uma naturalização do ser-poeta. O poeta reduz ao coração (recordar) os conteúdos, os referentes ao espaço cósmico, natural e o referente ao espaço interceptivo, humano, a elementos de uma estrutura elementar – plano de conteúdos: alma – coração – lembrança – ludismo - sofrer, articulando-se sempre na construção de um tipo de signo intratextual.
Apesar de começar seu poema invocando um Recife presente “Não a Veneza americana/ Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais/ Não o Recife dos Mascates”, anuncia uma Recife verdadeira, sem lugar comum, sem heróis, sem suas histórias reais de lutas e literatura as quais conhecemos “Recife sem mais nada”.
Ao reiterar o tema, ele pretende realizar, a meu ver, uma operação dupla e ondeante: progressivo-regressiva e regressivo-progressiva. Das cidadezinhas com suas características coloniais vai até a confissão e da confissão retorna às cidadezinhas por meio de Recife.
Alfredo Bosi afirma que a compreensão do processo de relação entre a palavra e a realidade vital faculta o entendimento de vários caracteres comuns a todos os grandes textos poéticos. Para Bosi, ainda, singular não quer dizer isolado. O objeto separado, Recife, é um espaço exterior, o singular é o concreto. Singular é o momento pleno da vida, o mais rico e completo, por isso o mais difícil de ser expresso fora dos termos da imagem-som. O choque entre seus valores tradicionais adquiridos na província e no seio de sua família de formação patriarcal e as imposições da vida moderna no Rio de Janeiro e nas novas ideologias impostas pelo progresso acentua-se bastante. A sombra desse conflito nasce Evocação do Recife (Libertinagem), a pedido de Gilberto Freyre, na qual já se percebe um universo de mudança, padronizado ou mecanizado pelas raízes do modernismo, em outras palavras, diante das mudanças bruscas do cotidiano a que somos obrigadas a viver, o verso aparece como forma única de consolação, e é por meio dele que o poeta reage contra o desconcerto do mundo. Outro fator é a consciência de que o poeta vive num universo em desaparição. É clara a dor que existe da perda do avô, assim com dói a morte do Recife, do desaparecimento das coisas. Registrado no último verso de Evocação do Recife (Libertinagem).
A linguagem do poeta é cuidada, caracterizada pelo emprego de palavras comuns, do cotidiano, às quais, muitas vezes dá novos significados, ampliando suas possibilidades de expressão. É o que se pode ver nos versos: “A gente brincava no meio da rua”/, “No lado de lá era o cais da Rua da Aurora”/, “Ela se riu”. Outro recurso é utilizado por Manuel Bandeira, a repetição, “Recife”/, “Recife...” presente no decorrer do poema.
Diante de tais evidências, percebe-se que o poeta Manuel Bandeira, verifica na imobilidade do tempo, que a Recife de sua infância continua no caminho, porque suas retinas não podem esquecê-las. Ao avaliar sua terra natal, amadurecido pelo estrangeirismo do Rio de Janeiro não pode evitar o sentimento de perda, não esconde sua ternura melancólica, esse sentimento está presente na personificação da cidade nordestina que passa a fazer parte do espaço interior do poeta, e deixa de ser geografia para se tornar lirismo, altamente simbólico.