Neste primeiro quarto do século XXI, ainda existem alguns detratores da Filosofia em geral, considerando-a como uma disciplina inútil, problematizante, não solucionadora das questões que levanta, uma atividade de mera ornamentação cultural, polémica e conflituosa; para outros, inclusivamente e por vezes com responsabilidades governativas, na área da educação, formação e cidadania, um conhecimento a abater dos currículos escolares.
No seio das comunidades científicas e tecnocratas, a resistência em responder às questões colocadas pela Filosofia são, em determinadas circunstâncias, bem evidentes, desvalorizando-as e ridicularizando, mais ou menos veladamente, quem as apresenta, até porque, na verdade, há questões incómodas que os “donos da verdade” não conseguem responder.
O círculo vicioso do preconceito antifilosofia, enquanto considerada como mais um processo para o aprofundamento do conhecimento e da sabedoria, tenta impor as suas regras positivistas, todavia, sempre que convém, invoca-se como sendo um bom projecto, uma boa prática, como por exemplo: uma filosofia da saúde; uma filosofia social; uma filosofia da educação; uma filosofia da administração e, neste domínio, também se afirma que: «A formulação de uma filosofia da Administração, apresentando, como contribuição, as observações de vários generalizadores, proporcionaria, assim, aos executivos, uma autoconsciência profissional e um senso justo de direção e justificativa social muito mais amplos.» TEAD, in: DIMOCK, 1958:9, Prefácio).
O mundo técnico-científico, tal como outros universos caraterísticos das inúmeras atividades humanas, é fundamental ao desenvolvimento sustentável e harmonioso da humanidade, porém, não é o único, nem totalmente autónomo. Cientistas, técnicos e outros interventores nos domínios práticos, terão tanto mais êxitos, quanto mais se interrelacionarem com as demais disciplinas do Saber-ser, do Saber-estar e do Saber-conviver com os outros.
Quaisquer tentativas de isolamento, e/ou de desvalorização de outros ramos do saber e da intervenção ético-social, apenas contribuem para um mundo robotizado, constituído por pessoas autómatas, pré-programadas, acríticas, amorfas e insensíveis, máquinas comandadas por controlo, mais ou menos remoto.
As consequências para a humanidade serão imprevisíveis, se se persistir na maquinização do ser humano, e nos processos de irracionalização interventiva, com prejuízo para a dimensão emocional e sentimental da pessoa verdadeiramente humana, em toda a sua dignidade. As ciências, ditas positivas, a técnica e a tecnologia só terão a ganhar quando se aliarem, despreconceituosamente, à Filosofia, ainda que esta sirva para tentar esclarecer, fazer compreender as falhas daquelas.
A este propósito, não se pode ignorar que: «A filosofia de qualquer matéria é o esforço racional para responder a questões da mais ampla generalidade levantadas a seu respeito, tais como: Quais os motivos da existência desse assunto como uma entidade intrínseca? Qual a sua área de actividade e de interesse? (…) Quais as normas, critérios e padrões, através dos quais devem ser determinados julgamentos corretos a respeito da actividade dentro do sector? Uma filosofia diz respeito à validade básica, à justificativa, e ao fundamento lógico de um corpo de actividades, tanto dentro de suas próprias fronteiras quanto em todas as suas ramificações, incluída sua significação em todo o conjunto da experiência humana.” (Ibid.:10).
Elaborar e aplicar na vida prática das Organizações, sejam elas empresariais, institucionais, públicas, privadas, cooperativas, não-governamentais, associações, coletividades, filantrópicas, filosofias de intervenção nos respetivos setores em que atuam, na circunstância, na “Administração Comunitária”, poderá ser uma nova forma de se valorizarem os recursos disponíveis, e contribuir para uma significativa melhoria dos resultados, obviamente, em benefício de toda a comunidade.
Racionalizar recursos é parte da solução para um problema mais vasto, cujo foco se situa, precisamente, em processos de administração que não servem os interesses de uma comunidade, dependente da competência e da probidade dos gestores que elegem, ou lhe são impostos.
Nesse sentido se poderá aceitar que a: «Filosofia é um conjunto de crenças e práticas que objectivam melhor execução. Uma filosofia da Administração é um exequível padrão mental de sobrevivência e influência, tanto para indivíduos como para instituições. É uma boa política e uma boa técnica. Mas, principalmente, é uma integração real, uma mistura de tudo que é importante.» (DIMOCK, 1958:16).
Constitui, portanto, uma estratégia inteligente, elaborar, desenvolver, aplicar e testar as diversas hipóteses de programas e técnicas de administração, quaisquer que sejam as instituições, cabendo, aqui, porém, direcionar a investigação para as organizações que utilizam recursos provenientes do erário público, dos impostos, de donativos consignados aos fins desejados pelos doadores, e das comparticipações, entregues pelas partes interessadas na realização de melhoramentos e intervenções específicas.
A obrigação primeira de bem-gerir os recursos públicos, até como exemplo de probidade, justiça social e estímulo para os diversos intervenientes societários, cabe, obviamente, ao Estado, desde logo a partir das suas próprias superestruturas.
No fundo, trata-se de administrar com e para a comunidade, onde todas as instituições se inserem, daquela fazendo parte e dela emanando os diferentes dirigentes e toda a classe política, empresarial, técnica, científica, religiosa, laboral, entre outras, com seus respetivos estatutos, adquiridos ou atribuídos.
Consignando-se ao Estado, este considerado a todos os níveis da sua constituição técnica e político-administrativa, a responsabilidade maior na boa gestão dos recursos disponíveis, não se pretende eximir de idênticas obrigações as empresas públicas, privadas e organizações não-governamentais mas, bem pelo contrário, deseja-se que estas instituições também funcionem numa perspectiva comunitária, no sentido social, cultural e humanista. A boa gestão empresarial será compatível com aqueles desígnios, e muito acrescentará ao seu prestígio: local, nacional e internacional.
E se o Estado tem o dever ético-moral de praticar, claramente, os bons exemplos, pelas boas-práticas, também as empresas podem dar o seu contributo, colaborando com os diversos órgãos estatais e ensinando os respetivos dirigentes políticos, através de parcerias estabelecidas para diversos fins: sociais, saúde, educação, habitação, emprego, cultura, entre outros.
A empresa poderá funcionar como medida e instrumento de aferição, modelo a seguir, sempre numa perspectiva desenvolvimentista, utilizando bem os lucros obtidos, naturalmente remunerando os investidores e trabalhadores, reinvestindo na sua própria modernização, formação dos seus colaboradores, socializando a própria comunidade onde se insere.
Valorizar as boas práticas, as técnicas, as filosofias da administração e a reutilização correta dos resultados das empresas é, no mínimo, um ato de inteligência dos dirigentes, na circunstância, políticos, com responsabilidades comunitárias. Nem ao Estado, nem aos cidadãos, deve repugnar o lucro resultante dos investimentos que aquele faz, desde que aplique os respetivos resultados em benefício da comunidade de cidadãos.
Numa filosofia dinâmica e moderna, de melhor e mais produtividade e rentabilidade da administração pública, seria interessante estudar a viabilidade do Estado-empresa, perante o Cidadão-acionista, e que, em primeira análise, poderia revelar-se uma estratégia inovadora, com possíveis resultados positivos, para a comunidade.
Os cidadãos, tornados acionistas, pela via dos impostos que pagam, teriam o direito de receber do Estado-empresa, as remunerações devidas, justas e em tempo útil, introduzindo-se, nesta distribuição de dividendos, a componente solidariedade, especialmente em relação aos mais desfavorecidos, nunca, porém, na direta proporcionalidade dos impostos pagos, porque então, reiniciar-se-ia o ciclo vicioso: se os mais ricos pagam mais, devem receber mais, logo a distância que já existe, entre ricos e pobres, aumentaria exponencialmente, e o valor solidariedade deixaria de fazer sentido, o que seria incompatível com um dos fins do “Estado Social de Direito Democrático”.
Convocar a classe empresarial para o projeto de boa administração comunitária, revela, por conseguinte, uma visão estratégica da boa governança que qualquer político, detentor de valores sociais, humanistas, culturais e comunitários, poderá tentar implementar.
As parcerias que um qualquer órgão da administração pública vier a estabelecer com as empresas, sempre resultarão em benefício da comunidade, desde que os resultados obtidos sejam aplicados na implementação de projetos que sirvam os interesses dos parceiros e, neste sentido: «… a empresa é um lugar de eleição privilegiado para realizar as conciliações que sentimos ser necessárias e das quais já começamos a ter experiência. Trata-se de combinar a planificação e os mecanismos do mercado, a liberdade de empreendimentos e a exclusão dos gastos desnecessários, a procura do lucro e o servir ao bem comum, a competição e a lealdade, a igualdade de oportunidades e os direitos vindos da herança, a autoridade dos dirigentes e o controle dos seus actos. As soluções para todos estes problemas evitarão mais seguramente a abstracção e a imprecisão se nós a construirmos a partir da empresa, célula da economia completa, microcosmos social.» (LAINÈ, François Bloch, in: SARTORI, 1990:19).
A classe política, que verdadeiramente pretende zelar pelos interesses da comunidade, e contribuir para a melhoria e qualidade de vida dos cidadãos, não pode protelar por mais tempo um certo “divórcio”, que tem mantido ao longo do tempo, com os agentes socializadores.
Pelo contrário, o “casamento” entre os políticos e a denominada “sociedade civil” impõe-se que seja “celebrado”, exige decisões imediatas, no sentido de se alterarem eventuais situações, que possam ter prejudicado os superiores interesses e legítimas expectativas dos cidadãos, individualmente considerados e das comunidades, no seu todo.
Com efeito, e em boa verdade, ninguém, neste sistema terrestre, é completamente auto-omnipotente, auto-omnisciente e autossuficiente. Detentores de cargos públicos, com poderes de decisão, e quaisquer outros dirigentes, não são os donos da verdade, da sabedoria e do poder, logo devem aliar-se, juntar sinergias para resolverem os problemas que mais afetam a humanidade em geral, e as comunidades em particular.
Bibliografia:
DIMOCK, Marshall E., (1967). Filosofia da Administração. Tradução, Diógenes Machado e Arnaldo Carneiro da Rocha Netto. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura – Brasil-Portugal
SARTORI, Luís Maria, (1990). Quando a Empresa se Torna Comunitária. Aparecida SP: Editora Santuário
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