O Cabeleira

Sem dúvida, "O Cabeleira" é um romance romântico, pois temos o discurso do narrador que exalta a figura feminina a um grau de pureza e bondade, onde se figura o ideal capaz de mudar o mundo.Além disso, temos que o amor é o elemento essencial para mudar a natureza e o coração de um terrível bandido: o cabeleira, que dá o nome ao romance.
O menino nascido José Gomes desde muito cedo era educado pelo pai Joaquim nas artes da malvadeza.Tudo o que se considera de mais vil e torpe era incutido na cabeça do menino pelo pai, ensinando o filho a odiar, a matar, a não chorar, enfim, Joaquim queria que o filho fosse homem "de verdade".
Em oposição a figura paterna havia a mãe do garoto, Joana,que era uma mulher doce e gentil, com uma bondade angelical e muito religiosa, que se exasperava com o marido e sofria muito com as atitudes e maldades do seu cônjuge.
Por fim, o pai sai de casa e leva o garoto consigo, o qual se torna o famigerado e vil bandido conhecido como "o cabeleira". Depois de anos de vida bandida e cruezas indescritíveis aos pobres moradores do sertão nordestino ele reencontra uma velha vizinha e com a qual prometera se casar quando crescidos.Após este encontro, o amor da garota, chamada Luísa, transforma o cabeleira, fazendo com que este seja incapaz de praticar aquelas maldades que o fizeram ser tão conhecido e temido no Sertão.No fim ele se redime completamente ao ponto de despertar a compaixão no povo que outrora o temia e o odiava. Esta é a premissa principal do romance de Franklin Távora.
O romantismo está presente? Sim.
Em algumas passagens temos o discurso puramente romântico, com a exploração do lirismo, com os personagens se expressando daquela maneira um pouco afetada, parecendo que vão chorar a cada frase dita.Contudo, a maior parte deste tipo de discurso fica a cargo do narrador, talvez pelo fato de ele estar no movimento romântico este tipo de discurso fosse o melhor modo possível de se "aproximar" dos leitores, de modo a poder expor suas Ideias ao maior número possível de leitores.
O autor se utiliza da história do Cabeleira como "desculpa" para desenhar a História do sertão, descrevendo os costumes, os fatos históricos, o modo de vida e, o mais importante, a sociedade daquele tempo e sua psicologia.O livro é um retrato histórico, exaltando a terra de Franklin Távora e seus arredores.Ao descrever a sociedade ele destaca o quanto ela era religiosa e, por conseqüência, o quão pura e boa ela era (segundo o autor), com sua gente sofrida, é verdade, mas honesta de coração e comunitária.
Além disso, faz uma crítica à violência e as condições precárias da segurança pública no tempo do conto e no tempo do autor.
O mais impressionante, porém, é a questão que o autor nos coloca no fim do livro, quando os autores dos crimes são sentenciados à pena capital por enforcamento.Távora nos pergunta o porquê daquela selvageria em pleno "século das luzes", nos questiona se o motivo da barbárie cometida por Joaquim, o cabeleira e companhia não são fruto da falta de educação, da falta de emprego e da ignorância.Távora escreve:
"A justiça executou o Cabeleira por crimes que tiveram sua principal origem na ignorância e na pobreza.
Mas o responsável de males semelhantes não será primeiro que todos a sociedade que não cumpre o dever de difundir a instrução, fonte da moral, e de organizar o trabalho, fonte da riqueza?
Se a sociedade não tem em caso nenhum o direito de aplicar a pena de morte a ninguém, muito menos tem o de aplicá-la aos réus ignorantes e pobres, isto é, aqueles que cometem o delito sem pleno conhecimento do mal, e obrigados muitas vezes da necessidade.(...)
Condena-se à forca o escravo que mata o senhor, sem se atender a que, rebaixado pela condição servil, paciente do açoite diário, coberto de andrajos, quase sempre faminto, sobrecarregado com trabalhos excessivos, semelhante criatura é mais própria para o cego instrumento do desespero, do que competente para o exercício da razão. Ainda em 28 de abril do corrente ano, em uma cidade da província das Alagoas um destes infelizes padeceu o suplício capital. Por honra da civilização, um dos primeiros órgãos da imprensa do Norte, o Diário de Pernambuco lavrou contra essa cobardia jurídica o seguinte protesto: «Registramos este acontecimento com a mágoa que sói causar àqueles que amam a pátria e a humanidade a continuação entre nós da bárbara pena de morte, que, infamando, nem ao menos corrige".
Arrastam os delinqüente. à barra dos tribunais ou ao pé dos juízes para serem interrogados sobre as circunstâncias dos crimes que cometeram. Não devia ser assim. O interrogatório principal devia ter por objeto os precedentes do culpado, o grau da sua instrução literária, a sua educação, os seus teres.
A pobreza, que é na realidade uma desgraça, deve a sociedade atribuir o maior número dos crimes que pune e dos erros e faltas que não se julga com o direito de punir. A pobreza nunca foi nem será jamais um elemento de elevação; ela foi e será sempre um elemento de degradação social. "
Fica aí o debate desencadeado pelo autor, será que o determinismo do meio realmente impele o homem a se embrutecer? Ele é incapaz de discernir o mal porque não teve a devida instrução?Temos realmente condições de aplicar a pena capital a quem quer que seja?Ou tudo isto é temporal, ou seja, a psicologia da época pode ser considerada "atrasada" ou "simplória" para decidir tal coisa, vide os avanços que obtivemos até hoje?
Távora narra toda a trajetória do menino José Gomes, até sua transformação no temido bandido "o cabeleira", contando todas as atrocidades cometidas por ele e seu bando.Parece que ele quer fazer com que o leitor odeie o cabeleira e torça para a sua captura pelas forças do governo e a sentença que merece.Entretanto, na hora do derradeiro castigo o autor parece que pára o filme e diz: pois é amigo, apesar de todo o mal cometido pelo cabeleira, ele é mesmo o culpado???Como um tapa na nossa cara, num anticlímax tremendo, o autor coloca as questões acima diante de nós.Nada melhor do que um livro que, a princípio, parece um tanto raso, mas depois se transforma num instrumento de reflexão, de auto-conhecimento, promovendo o nosso crescimento intimo.Sinceramente, para mim, a leitura valeu a pena.
Fonte: literaturainformal.zip.net