Literatura das peculiaridades do Brasil

O regionalismo tem uma tradição de quase 150 anos na literatura brasileira. Surgiu em meados do século 19, nas obras de José de Alencar, de Bernardo Guimarães, de Alfredo d'Escragnole Taunay e de Franklin Távora e pode-se dizer que há textos de cunho regionalista em nossa literatura até o final do século 20.
Pode-se dizer que as obras do século 20 são os grandes textos do regionalismo no Brasil. Entretanto, para se chegar a expoentes como José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo e Guimarães Rosa, o gênero percorreu um grande caminho, cujas raízes estão na época do romantismo, como foi o caso da obra de José de Alencar.
Em primeiro lugar cabe esclarecer que, por regionalismo, entende-se a literatura que põe o seu foco em determinada região do Brasil, visando retratá-la, de maneira mais superficial ou mais profunda. Os primeiros autores do gênero não focalizavam propriamente uma região, no sentido geográfico, não visavam mostrar a vida no sertão do Nordeste, ou de São Paulo ou do Rio Grande do Sul.
Chama-se de autores de sertanistas aqueles cujo foco está no sertão, por oposição à cidade, à Corte, ao Rio de Janeiro - a única localidade com características efetivamente urbanas no Brasil do século 19. Focalizar o homem do sertão era uma forma de ir além do indianismo que - surgido na década de 1830 como forma de afirmação da nacionalidade - já se esgotara nas décadas de 1860 e 1870.
O sertanejo torna-se então o símbolo do autêntico brasileiro, alheio às influências da Europa, abundantes na sociedade fluminense. É nesse sentido que ele irá protagonizar os romances de Bernardo Guimarães, Taunay e Franklin Távora, constituindo uma metamorfose do "bom selvagem" que o Peri (personagem central O Guarani") ou Ubirajara haviam personificado nos romances de Alencar anteriormente. Do que já se deduz que o sertanejo romântico também padece de uma idealização heróica que o afasta da realidade.
Além disso, os romances sertanistas são marcados por um "pequeno realismo" - como afirma o estudioso Nelson Werneck Sodré - que está preocupado em retratar as minúcias do vestuário, da linguagem, dos costumes, das paisagens e em valorizar o caráter exótico e grandioso da natureza brasileira. Nesse pano de fundo, decorrem os enredos marcados por amores, aventuras e peripécias como mandava o figurino da literatura romântica.
O cearense Franklin Távora é o primeiro a tentar fazer do regionalismo um movimento, escrevendo um manifesto e apresentando um projeto no prefácio de seu romance "O Cabeleira". O romance, porém, não acompanha às pretensões do autor. É uma obra medíocre que mistura uma crônica do cangaço (o personagem-título é um cangaceiro) com os expedientes melodramáticos da pior ficção romântica.
No entanto, ele abre um ciclo em nossa literatura: são vários os romances que tematizam o cangaço e o banditismo originário das peculiaridades do Nordeste: a seca, o latifúndio, a miséria. As grandes obras nacionais sobre o cangaço, contudo, só iriam ser escritas no século 20: "Cangaceiros", de José Lins do Rego, e "Seara Vermelha", de Jorge Amado.
Este último, marcado por um caráter de propaganda comunista (o autor era filiado ao Partido Comunista Brasileiro, pelo qual foi deputado), apresenta o cangaceiro como um herói revolucionário, o que também é uma idealização não condizente com a realidade.
Autor: Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.
Fonte: educacao.uol.com.br