A obra de Bocage

Bocage, em vida, publicou os Idílios Marítimos (1791) e os três volumes que compõem as Rimas, respectivamente, em 1791, 1799 e 1804. Mais tarde, após a sua morte, saíram mais três volumes de poemas, intitulados Obras Poéticas (1812-1813) e Verdadeiras Inéditas Obras Poéticas (1814). Coube, entretanto, a Inocêncio Francisco da Silva, em 1853, a melhor edição dos poemas bocageanos, reunindo-os em seis volumes sob o título de Poesias. Recentemente, saiu em pequeno volume as Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas de Bocage.
Conhecedor da língua latina com perfeição, teve a oportunidade de traduzir os Fastos, de Ovídio, as Metamorfoses, do mesmo autor, e as Éclogas, de Virgílio. Foi ainda o tradutor, entre outras, das seguintes obras: Os Jardins, de Delille, Eufêmia, de Arnaud, O Consórcio das Flores, epístola de Lacroix, As Plantas, de Castel, A Agricultura, de Rosset, O Conto de Tripoli, de José Francisco Cardoso, História de Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre, o primeiro canto de A Columbíada, da sua tia-avó Mariana du Bocage, e a História de Gil Brás, de Santilhana.
Bocage foi poeta satírico e, inegavelmente, o maior poeta lírico do século 18. Improvisador e dono de um temperamento agressivo, Bocage teve tudo para ser um grande poeta satírico. E, na verdade, foi. Soube cultivar, como ninguém, a sátira, deixando versos famosos, como por exemplo a “Pena de Talião”, crítica contundente à figura do clérigo árcade José Agostinho de Macedo. Às vezes, contudo, a sua sátira é delicada e elegante, como acontece no diálogo entre Coridon e Elmano, construído para atacar os versos do capelão da igreja de Almoster, e nos epigramas contra os médicos.
A poesia lírica - amorosa, bucólica e elegíaca - exprimiu-a Bocage em sonetos, odes, cantatas, epístolas, idílios, elegias etc. Em algumas destas espécies, com o seu gênio criador, conseguiu superar as convenções do Arcadismo (ou Neoclassicismo), como por exemplo em “A Morte de Leandro e Hero”, cantata, “que pela sua ambiência especial e contextura dramática e sombria, preludia os novos tempos que se avizinham” (Feliciano Ramos). Em outras, como nos poemas longos, sentimo-lo excessivamente preso ao convencionalismo da escola dos anos setecentos. Por esse motivo, pode-se falar em um Bocage árcade e em um Bocage pré-romântico.
Na fase arcádica (odes, idílios, cantatas e epigramas) a sua poesia caracteriza-se pelo emprego de alegorias e pela presença da mitologia ao gosto clássico: “Olha o Tejo, a sorrir-se! Olha, não sentes / Os Zéfiros brincar por entre as flores?” O bucolismo convencional faz-se presente, com diálogos entre pastores e através da paisagem campesina. Os amores infelizes são uma constante na sua musa. É, sem dúvida alguma, esta fase inferior a que se segue, deixando bastante a desejar “sob o ponto de vista estético, por inadequação da forma poética ao conteúdo: os moldes arcádicos, e sobretudo a linguagem retórica, latinizante e viciada de expressões feitas, atraiçoam a sua mensagem, tão marcadamente pessoal” (Luft).
A segunda fase, pré-romântica, caracteriza-se fundamentalmente por um “libertarismo emocional”, conseqüência da superação das normas impostas pelo movimento arcádico. A poesia bocageana adquire um tom pessoal que se contrapõe à impessoalidade que caracterizava a fase anterior. O amor, o destino, a fatalidade, a solidão, a morte, são os temas preferidos para os seus sonetos e sobre eles medita Bocage. Conforme assinala Massaud Moisés, na sua A Literatura Portuguesa, “tem-se a poesia da confissão, da carpidação, do arrependimento, resultante da contemplação do ‘eu’ a si próprio, numa dor perene, acima de qualquer contingência externa. Aqui, Bocage atinge acentos típicos da mais elevada poesia, pela purificação da sensibilidade, pela tensão dramática, pela sinceridade autobiográfica do sofrimento moral transposto em arte, pela sondagem interior processada quase sem os entraves da consciência, e, por fim, pelo encontro feliz de soluções expressivas que não ficaram totalmente desconhecidas ao longo do século 19”.
Como sonetista, Bocage tem sido considerado um dos três maiores em língua portuguesa, ao lado de Camões e Antero de Quental.
Constituem-se os sonetos bocageanos em “verdadeiros diários íntimos”, merecendo destaque especial os dois que foram reunidos sob o titulo “Adeus, ó mundo! ó natureza! ó nada!” (“Meu ser evaporei na lida insana” e “Já Bocage não sou!...”), autobiográficos, em que Bocage confessa as dissipações da vida passada e “exprime com comoção o seu arrependimento”.

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