A mobília de quarto não interessa

Chegou a sua vez, Luciana. Tenho recebido cartas de namoradas, noivas, esposas e desquitadas. Geralmente, as minhas leitoras usam um tom passional; estão desesperadas de tudo e de todos. E muitas terminaram assim: "O amor é uma ilusão" ou "amor não existe". E você? Você é diferente, Luciana, bem diferente. Na sua carta nada existe de patético, nem de trágico. Você me aparece como a antitrágica. Você é a primeira "noiva sensata" que me escreve. E confesso - li sua carta, reli e meditei sobre ela. Você vai ficar talvez surpresa, mas estou alarmada. Nunca vi ninguém raciocinar tão bem, nunca vi tanto senso comum, Ideias tão bem organizadas, Ideias tão bem expressas. Eu devia ficar bem impressionada com tanto juízo, tanta lucidez e isenção. Mas pelo contrário.

Sua tragédia pode ser assim resumida - "seu noivo ganha pouco e você não quer casara nessas condições". Diz, então, esta coisa aparentemente lógica: "Prefiro esperar". Desculpe, Luciana, mas estou mergulhada na maior perplexidade. "Preferir esperar" em amor pode ser uma atitude sensata, mas não é, nem foi nunca amorosa. Uma mulher enamorada não tem esse raciocínio minucioso, essa visão implacável das exigências da vida prática. Falta a você o frêmito, o ímpeto, o fervor das enamoradas perfeitas. Nenhuma grandeza, nenhum heroísmo, nenhum sacrifício, nenhum arrebatamento que faça lembrar as heroínas de novela, de ópera e de filme. Ora, qualquer romance autêntico, mesmo suburbano, se parece bastante com a literatura, o cinema e o teatro lírico ou dramático. Se um caso não sugere uma reminiscência artística qualquer - temo direito de por de molho a sua autenticidade. E é o que acontece com você. Tenho recebido consultas de mulheres que já pensaram, até, na solução do suicídio. Pois bem. Nenhuma me assustou tanto quanto você, lógica e esclarecida noiva, calculista, objetiva, prática. Permita-me dizer - seu auto controle é tenebroso. Você já fez orçamentos completíssimos: sabe quanto custa o colégio dos filhos que você não teve, que talvez não terá; sabe o preço do feijão etc. E muito satisfeita de si mesma exclama: "eu não sou como tantas, que se casam para passar fome"... Evidentemente, Luciana, eu não aconselharia ninguém a casar-se com o objetivo expresso de não comer. Mas uma coisa me parece certa: a pessoa só deve casar-se quando está disposta a isso e coisas piores, quando está disposta a passar fome e sede; quando está disposta a viver e morrer de amor. Isso pode parecer, à primeira vista, de um romantismo inatural e obtuso. Entretanto, quase posso afirmar - sem essa disposição, esse desprendimento, esse prévio heroísmo, essa carga de abnegação, a mulher deve procurar outro noivo. Ou, então, deve desistir de vez do matrimônio e do amor. Pois o exame das circunstâncias práticas do casamento deve caber aos pais, aos conhecidos, à vizinhança, nunca aos principais interessados. Estes não pensam, nem agem, senão em função do amor. São, digamos, irresponsáveis. Mas esta me parece ser a única irresponsabilidade necessária e benemérita; é um dos meios mais capciosos de que se serve a natureza para levar duas pessoas ao amor e à conseqüente perturbação da espécie, à conseqüente eternidade da vida. Dirá você que "uma lua de mel com fome" seria desagradabilíssimo. Não, meu pobre anjo. Não existe esta hipótese. A lua de mel se basta a si mesma. É lua de mel e pronto. Vou lhe dar um conselho aparentemente absurdo e, na verdade, extremamente prático - não pense tanto na mobília de quarto: não pense nem mesmo no quarto. Pense no amor. E não se esqueça: um começo de carreira matrimonial pode ser difícil, deve ser difícil. Porque é na adversidade que se tornam mais efetivos, mais legítimos, os vínculos entre marido e mulher. Infelizes os amorosos que não sofreram juntos.

Você termina dizendo que o seu bem amado é "bonzinho". Eu, se fosse homem, consideraria este elogio ofensivo. Às vezes, um simples qualificativo chega para invalidar um romance. Está neste caso o "bonzinho". O nosso bem amado não pode ser "bonzinho", nunca. É formidável, único, fabuloso, deslumbrante. Menos "bonzinho". Agora algumas palavras proféticas: você não casará com seu atual namorado. E por um motivo muito simples: você mesma se convencerá de que não o ama. E ele também. Daqui a três anos, você conhecerá seu verdadeiro amor. E não se esqueça: com senso comum não se fazem os grandes amores.

Extraído do livro: Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo (Compre e leia o livro, vale a pena)