Sejamos irresponsáveis, um pouco irresponsáveis

Qual é o caso de Laura? Muito simples e muito comum. Ama e é amada. Aparentemente está tudo resolvido. Mas não está. Na verdade, existe um problema, e dos mais graves - o econômico. O rapaz não está, ainda, em condições de casar-se. Mas será este um impedimento? Não creio. De todos os motivos que possam dificultar um casamento, o econômico me parece o mais fraco. Evidentemente, ninguém se casa expressamente para passar fome. É justo que a moça e o rapaz aspirem a um mínimo de conforto, compatível com a dignidade dos cônjuges. Mas se esse conforto não for possível? Que deve fazer a moça? Desistir? Ou esperar indefinidamente? E o rapaz?

Situações semelhantes têm, contudo, uma utilidade. Servem como um teste que a vida se encarrega de impor aos namorados e noivos. Autêntico teste de amor. Se há um grande sentimento em casa, tanto a mulher, como o homem, não levam em conta as condições práticas de sua união. Querem se casar e pronto. Esquecem de tudo o mais. São, digamos assim, irresponsáveis, eventualmente irresponsáveis. Em vão, a família, os conhecidos demonstram, por A mais B, que o matrimônio é impossível. Que vão sofrer as piores privações etc, etc. Tudo muito lógico, muito convincente. Mas quem gosta age e pensa segundo uma lógica especialíssima, que não é a de todo o mundo. O casamento se realiza assim de qualquer maneira. Porque os namorados estão cegos e surdos, para tudo que não seja o próprio sentimento. Há, porém, noivos que pensam muito, que desenvolvem raciocínios de uma lucidez tremenda, que pensam todas as circunstancias, fazem contas, orçamentos. Bonito, muito bonito, não há dúvida. Mas são esses, justamente, os casamentos contra indicados. Se o casal está assim lúcido, objetivo, prático - não ama. Eis a explicação deste senso comum, que pode ser tudo, menos uma virtude amorosa. Portanto, se Laura me pergunta se deve casar assim mesmo, se deve casar, malgrado as condições do rapaz, eu direi - DEVE. Vai lutar, e muito. Vai se privar de muita coisa. Terá pouquíssimos vestidos. Gastará todo o enxoval, sem poder renová-lo. Mas há, no meio de tudo isso, um fato maravilhoso que a redime de todas as tristezas e de todas as agonias - ela ama. Eis o seu grande, o seu irresistível estimulo vital. E com o seu namorado acontecerá o mesmo. Ela será para ele a chamada "musa inspiradora". O rapaz terá, à sombra do seu carinho, muito maior élan, mais capacidade de trabalho, mais fervor, mais ímpeto. As dificuldades iniciais, a luta em comum, a solidariedade de todos os momentos - tudo isso dará maior resistência, mais força, aos vínculos que já os unem. Esperar por quê? Se toda a espera é depressiva, corrosiva, para o próprio sentimento? Creio bem que o melhor conselho a ser dado aos noivos vacilantes, que levam muito em conta os argumentos de ordem prática, ainda é este: "SEJAM IRRESPONSÁVEIS". Esta irresponsabilidade constitui como eu própria já observei, um artifício, um meio capcioso de que se serve a natureza, para facilitar todas as uniões. E assim tornar a vida imortal. Imaginem se todos nós fôssemos, em amor, bastante lúcidos. Então, pensaríamos minuciosamente em tudo: no preço do feijão, do arroz, no custo de vida cada vez mais elevado; no colégio das crianças. Lembro-me de uma moça sensatíssima que dizia: "não quero ter filhos, porque eles pode apanhar coqueluche"... Raciocínio exemplar! Com efeito, a coqueluche é, de maneira incontestável, uma coisa desagradabilíssima. E a maneira de evitá-la - é não ter filhos. Mas, não é com este raciocínio que se faz a vida, que se perpetua a espécie humana. Daí porque na hora do amor precisamos ser um pouco irresponsáveis. Sim, minha querida Laura. Há um mínimo de irresponsabilidade, um mínimo de "loucura furiosa", indispensável ao amor.

Vou lhe ensinar a maneira de ser feliz. Chegue junto do seu namorado e diga: "Quero me casar logo". Ele dirá: "Mas vamos passar fome!". E você: "Paciência". Você será felicíssima.

Extraído do livro: Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo (Compre e leia o livro, vale a pena)