A mulher é uma escrava espontânea

A tragédia de "Marlene de Moça Bonita" não constitui raridade. Com efeito não é, nem será a primeira mulher que gosta de um homem e casa com outro. Muitas fazem isso e são mais ou menos infelizes. Se a mulher possui uma certa capacidade de acomodação, ótimo: vai tudo muito bem. Ela encontra, nas atribulações da vida doméstica e no carinho dos filhos, um derivativo. Mas se lhe falta esse temperamento, se lhe falta esse profundo e irredutível espírito de família - vai tudo muito mal. Está com o marido e pensa no outro: beija um e, mentalmente, realiza uma superposição de imagem, isto é, substitui a imagem do companheiro pela do homem que não o é. A nostalgia do outro se torna mais persistente, mais aguda, mais obsessiva: acaba se transformando numa espécie de doença da alma. No fim, a simples e pura presença do marido a irrita, a exaspera; e tem fobias contra o pijama do companheiro, contra a sua escova de dente etc, etc. Ora, Marlene. Em amor, importa muito o ponto de partida. Conheço uma senhora que diz, com a sua vasta experiência: "Quando as coisas começam bem, às vezes não dá certo. Imagine quando começam mal!". Ao que eu poderia replicar: "Pode começar mal e acabar bem"... Mas o fato é que você começou não amando o marido. Sua vida foi, economicamente, ótima. Não lhe faltaram os bens materiais. O que lhe faltou foi isto - "amor". Chegamos a um ponto crucial: num matrimonio em que falta amor, falta tudo. Portanto, sou obrigada a admitir que você não teve nada. Um dia ou, por outrora, há dezoito meses, morre o seu companheiro. Entra em cena, o destino. Você que não via há muito o primeiro e único amor, encontra-o, de repente. E já comprometido. Curioso e amargo o seu destino! O matrimonio fora um drama, a viuvez outro. Em suma, você saía de uma agonia para outra maior. Que fazer? Você se confessa ao bem amada: ele diz que gosta de você, também. Mas não quer romper o compromisso que assumira. Explica você que nos seus encontros ele a trata "com muito respeito". Que significa esta atitude? Pode ter dois sentidos. O homem procede assim ou quando gosta demais ou quando gosta de menos. Na primeira hipótese ele coloca a mulher muito alto, tão alto, que ela se torna inacessível, ou praticamente inacessível, aos seus carinhos; na segunda hipótese o que existe é uma falta de estímulo interior para "ousar", para "desrespeitar". Aliás, possuo, a propósito do que se convencionou chamar "respeito", umas tantas noções. Imaginamos um homem que gosta de uma mulher. Pergunto: é normal, natural, lógico, que ele queira passar a mão nos cabelos da mulher? E se ele fizer isso, será falta de respeito? E se não fizer, será "respeito"? A mim, na minha ingenuidade, parece lícito que um homem enamorado exprima seu amor através dos agrados que julgar convenientes. A mulher pode aceitar ou não os agrados, mas sem achá-los uma falta de respeito. Mas passemos adiante. Como o bem amado não quer deixar seu compromisso, você diz que "enlouquece". Não está certo, Marlene. Nunca se esqueça do seguinte: em amor, ninguém tem o direito de exigir nada. O único direito que se tem é o de aceitar aquilo que a outra pessoa dá de todo o coração e com o máximo de espontaneidade. O que não se pode, não se deve, é exigir nestes termos: "Dê-me seu coração, ou dê-me sua vida, ou dê-me sua liberdade". Temos que esperar que a criatura amada faça isso por inteira e exclusiva conta própria. Eu sei que todo o amor implica uma servidão. Mas uma servidão voluntária. Digamos que eu goste de um homem. Pois bem. Chego junto dele e declaro: "Toma a milha liberdade, sou tua escrava". Ele queria isso, desejava isso, mas não pediu, nem exigiu. Limitou-se a esperar. É o que todos deveriam fazer, inclusive você, Marlene. Espere que o seu amor se decida, aceite o que ele decidir. Mas não force nunca.

Extraído do livro: Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo (Compre e leia o livro, vale a pena)