Minha filha está acima do bem e do mal

Eu faço um grande esforço para não me espantar. E isto exige um tremendo autocontrole, sem o qual um cidadão ou cidadã vive soltando exclamações. Mas, confesso que me assombrei com o caso de Stella. Vejamos o começo da história - Stella viu, certa vez, um rapaz nem bonito, nem feio, que ela achou deslumbrante. Até aí, nada de mais. O mau gosto em amor é necessário e natural. Se não fosse esse mal gosto, muitas vezes hediondo, 97 por cento dos homens, 97 por cento das mulheres ficariam a ver navios, sem possibilidade de matrimônio. Portanto, se Stella se apaixonou por um cidadão que não é nem bonito, nem feio, fez muito bem. Parece que o rapaz também se apaixonou, de forma que tudo ficou em autêntico mar de rosas. Eis, senão quando, Stella recebe, de sua mãe, um anel de brilhante. A moça apreciou imenso a jóia: e muito mais, o namorado. Este ficou deslumbrado. Sua primeira providência foi pedir: - "Deixe ver". Seu ar, no momento, foi de absoluta displicência. Examinou o brilhante, esfregou-o na manga do paletó, e, depois de pigarrear, pediu: "Meu bem, você quer me emprestar 'isso'?". Stella ficou meio sem jeito. Mas amava. E a mulher que ama não costuma recusar o empréstimo de um anel. Antes não o fizesse. Porque, no dia seguinte e nos que se seguiram, o namorado falava em todos os assuntos, menos no anel. O pior não foi isso. O pior foi que a mãe de Stella cismou de pedir noticias do presente. E tantas fez, que ela, afinal, não teve outro recurso senão confessar o paradeiro da jóia. A mãe de Stella, diga-se de passagem, não prima muito pela paciência. Exigiu a devolução imediata. Eis o namorado em palpos de aranha. Empenhara o anel, o fulano. E não tinha dinheiro para resgatar a cautela. Resumindo: o namorado de Stella era ladrão! Nada mais, nada menos. Situação delicada esta e altamente desagradável. Stella escreve e pergunta: "Que devo fazer? Pode uma mulher gostar de um ladrão?". Ai de nós, Stella! Uma mulher pode, perfeitamente, gostar de um ladrão. Por um motivo: porque o coração não enxerga um palmo adiante do nariz. Se ele só se inclinasse por rapazes direitos, estaria tudo salvo. De onde resultam as tragédias amorosas? Resultam, precisamente, do fato de que ninguém escolhe certo, mas escolhe, quase sempre, errado. Vou mais longe: a gente não escolhe nem certo, nem errado: a gente não escolhe. Gostamos e deixamos de gostar, por uma série de fatores estranhos à nossa vontade. De forma que, em realidade, tudo é uma pura e simples questão de sorte. Às vezes, coincide que o nosso amor seja um cidadão seríssimo, respeitador, cumpridor dos deveres. Foi o quê? Uma escolha consciente? Uma seleção hábil? Não, em absoluto. Seleção nenhuma. Escolha nenhuma. Sorte, nada mais que sorte. A mulher pode amar, segundo sua estrela, um escafandrista, um domador, um trocador de ônibus ou um príncipe. A você, Stella, coube a seguinte sorte - amar um ladrão. Você não teve culpa de coisa alguma. Os amorosos não têm a menor responsabilidade nas boas ou más ações que praticam, durante a crise sentimental. Encurtando: Você deixou-o. E que fez sua mãe? Consolou-a? Afagou-a? Deu-lhe solidariedade? Nada disto: raspou-lhe a cabeça. Nada mais, nada menos: "Raspou-lhe a cabeça!". Ora, eu sou franca, minha cara Stella. Ninguém tem o direito de raspar a cabeça de ninguém. E muito menos quando se trata de uma filha. Que o seu vizinho fizesse isso, seria uma violência passível de intervenção policial. E se foi sua mãe, muito pior. Se eu fosse mãe, faria o seguinte: jamais julgaria ou condenaria minha filha. Ela só mereceria, de mim, carinho e proteção. Os outros que a julgassem e condenassem. Eu, nunca.

Extraído do livro: Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo (Compre e leia o livro, vale a pena)