Fuja do homem bonito

Clélia escreve-me uma extensa carta e faz, inicialmente, esta confissão: "Sempre gostei de homem bonito. Todos os meus namorados eram bonitos. Todos, menos o último". Vacila, entes de elucidar - "Deste, eu gostei mais". E ela me consulta, porque não entende o próprio gosto ou, por outra, a própria falta de gosto. Acha inexplicável que, entre tantos bonitos, só o feio a impressionasse, de maneira profunda e definitiva. "Jamais poderei esquecê-lo". - confidencia Clélia. Interroga a si mesma e a mim: "Por quê, meu Deus do céu, por quê?". Bem, Clélia, conversemos nós duas, com um máximo de intimidade.

Trata-se, em primeiro lugar, de saber o seguinte: - "O que vem a ser um homem bonito". Eu penso, logo, nas estátuas gregas, nos rapazes de praia, nos artistas de cinema. Os gregos eram perfeitos, perfeitos demais, talvez; belos, não há dúvida. Assim os atletas. E assim os rapazes de praia e os artistas de cinema. Todos formidáveis, todos. Mas isso basta? Penso em Robert Taylor. E, conjeture-se, a sua beleza não esconde uma tremenda e irremediável vacuidade, um vazio de alma, uma ausência total de espírito? Pergunto: "Como suportar, por mais de quinze dias, um cidadão sem espírito? Como amar, por mais de uma semana, um lindo, um deslumbrante débil mental?". Conheço vários homens bonitos; e nenhum deles, que eu saiba, já inspirou um amor imortal. Encantam a mulher no namoro, no noivado e na lua de mel. Depois, inspiram um tédio absoluto, irredutível. A mulher tem enjôo físico, só de vê-los.

E quantos homens, chamados feios, nada gregos, nada clássicos, são amados com verdadeiro fanatismo? Porque eles possuem uma série de qualidades que suprem a falta da simples beleza física, qualidades que os transfiguram. E não se esqueça, Clélia, existe uma beleza das pessoas feias. É algo de sutil, insidioso, imponderável, mas influi, fisicamente, que gera, em nós, verdadeiras e constantes ilusões de ótica, fazendo com que vejamos o belo onde só existe o antiestético. Está certo que as mesmas qualidades poderiam existir com a beleza. Mas isso é tão raro, tão difícil, constitui, Por assim dizer, uma possibilidade inexistente. Pior do que Quasímodo, pior do que o fantasma da ópera, pior do que Boris Karloff - é o bonito oco, que não liga duas Ideias, que jamais leu um verso, nem mesmo uma manchete, que é sensível e inteligente como um paralelepípedo. Homens desse tipo geram as desilusões atrozes. E é fácil explicar por quê.

Quando gostamos de um feio, é pelo seu valor pessoal, pelo seu encanto, pela sua graça interior e irresistível, pelo seu espírito, pelo seu interesse humano. Ao homem bonito, não. Podemos amá-lo pelos seus traços, pelas suas feições, pela sua elegância. Pela beleza, em suma. E não por ele, pelo conjunto de qualidades que ele devia ter. Lembre-se, Clélia, que a beleza constitui, apenas, um único valor, entre os muitos valores pessoais de um homem. Se você amou um feio, e amou um feio mais do que os outros, não se admire. Ele valia muito mais para o seu gosto. Ele possuía um valor pessoal, uma personalidade que faltava aos demais. E um homem feio, só é feio em um certo sentido. Jamais será para a mulher que o ama. E parece que chegamos, agora, ao ponto crucial da questão. Bonito é o homem de quem a gente gosta. Não importo que seja Quasímodo em pessoa. A mulher o achará lindo, perfeito, como um heleno de vinte anos. Terá o nariz torto. Será vesgo. Não para a mulher.

Esta sempre o julgará inexcedível. Ele produzirá, nela, uma impressão visual incomparável. Não importa que, para os outros, seja horroroso. O amor é isso mesmo; ou seja: esta capacidade de ver o que os outros não vêem, de ver o que não existe e, em fim, de conferir, a um cidadão, qualidades físicas que ele, na maioria dos casos, não tem. Ora, o homem bonito não permite semelhante delírio. Para que embelezar o que já é belo? E o fato de ver uma beleza evidente, irrefutável, que todo o mundo vê, que todo o mundo constata, destrói, no fenômeno amoroso, o caráter essencial da mágica, delírio, imaginação e poesia. Creia-me, Clélia, nenhum Robert Taylor, nenhum Errol Flynn, vale o seu deplorabilíssimo namorado suburbano. Quem é, entre tantos homens que cruzam o seu caminho, que você vê, em carne e osso, ou no cinema, nas imagens de sombra e luz? Quem é o mais belo, entre tantos homens, realmente vistos ou, apenas, sonhados? - O homem amado.

Extraído do livro: Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo (Compre e leia o livro, vale a pena)