Quem foi

Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa em 19 de Maio de 1890. Filho único de Águeda Maria de Sousa Peres Murinello de Sá-Carneiro e do Engenheiro Carlos Augusto de Sá-Carneiro.
Aos dois anos de idade ficou órfão de mãe. A partir de 1894 o seu pai iniciou uma vida de viagens deixando Sá Carneiro com os avós e uma ama. A sua infância e adolescência foram marcadas pela solidão.
Em 1902 começa a escrever poesia.
Em 1904 o pai, de regresso dos Estados Unidos, leva-o a visitar Paris, Suíça e Itália (Veneza e Nápoles) abrindo--lhe outros horizontes.
Em 1911 o seu grande amigo Thomaz Cabreira Júnior suicida-se num gesto que impressiona profundamente Sá-Carneiro, que lhe dedica o poema: “A Um Suicida”:
...”A nossa amante era a Glória/Que para ti era a vitória/E para mim asas partidas./Tinhas esperanças, ambições.../As minhas pobres ilusões/Essas estavam já perdidas...”
Matriculou-se na Faculdade de Direito de Coimbra em 1911, mas não chegou a concluir o ano.
Em 1912 trava conhecimento com Fernando Pessoa tendo nesse mesmo ano, em Outubro, partido para Paris para se inscrever no curso de Direito da Sorbonne. Frequentou o curso irregularmente e nunca se chegou a formar.
Na capital francesa dedicou-se sobretudo à vida de boémia dos cafés e salas de espectáculo, onde conviveu com Santa-Rita Pintor.
Escreveu, de parceria com António Ponce de Leão, em 1913, a peça “Alma”.
Publica em fins de 1913 (com data do ano seguinte) "A Confissão de Lúcio” (novela) e Dispersão (poesia) e intensifica sua correspondência com Fernando Pessoa a quem envia seus poemas.
“Olho em volta de mim. Todos possuem/Um afecto, um sorriso ou um abraço/Só para mim as ânsias se diluem/E não possuo mesmo quando enlaço...”
Em Abril 1915, em Lisboa, é editada a revista Orpheu pelos modernistas Almada Negreiros, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. A Geração Orpheu, como é conhecida, reúne-se com frequência em cafés da baixa lisboeta, com Mário de Sá-Carneiro e Santa-Rita Pintor, que trazem as novas tendências estéticas europeias, nomeadamente francesas, e ainda com Amadeo de Sousa Cardoso, Almada Negreiros e Raúl Leal. Acrescentam-se a este grupo Luis de Montalvor, Armando Côrtes Rodrigues bem como António Ferro.
Destinada a congregar as diversas tendências estéticas destes artistas e a intervir na vida intelectual e literária portuguesa, esta revista, pelo seu carácter inovador, revela um sinal de vida no ambiente literário português. O público leitor de selecção deu mostras de contentamento e de adesão para com este projecto literário. Se da parte destes leitores, esta primeira edição encontrou mostras de carinho e de contentamento, no público em geral causou grande escândalo e polémica. A revista abalou decididamente o ambiente literário português pela ousadia e vanguardismo dos textos que nela se reuniram. Foi, sem dúvida, um sinal de vida que rompeu com as tradições literárias e significou o advento do modernismo em Portugal.
O número um e dois da revista Orpheu foram financiados pelo pai de Mário de Sá-Carneiro. Estando já para edição o número três da revista o pai de Mário suspende o financiamento tendo deixado o filho em desespero.
Este escreve assim a Fernando Pessoa: “...Custa-me muito escrever-lhe esta carta dolorosa – dolorosa para mim e para si. Mas por mim já estou conformado. A dor é pois neste momento sobretudo pela grande tristeza que lhe vou causar. Em duas palavras: temos desgraçadamente de desistir do nosso Orpheu. Todas as razões lhe serão dadas, melhor pela carta do meu pai que junto incluo e que lhe peço não deixe de ler. Claro que é devida a um momento de exaltação. No entretanto cheia de razões pela conta exorbitante que eu obrigo o meu Pai a pagar – o meu Pai que foi para a África por não ter dinheiro e que lá não ganha sequer para as despesas normais, quase...”
Colabora ainda nessa revista e num poema escreve: “...Lord que eu fui de Escócias doutra vida/Hoje arrasta por esta a sua decadência/Sem brilho e equipagens/Milord reduzido a viver de imagens...”
Personalidade corroída pela neurose levada ao extremo e de uma sensibilidade multifacetada, Mário de Sá-Carneiro foi essencialmente um esteta.
“...Há sempre um grande Arco ao fundo dos meus olhos.../A cada passo a minha alma é outra cruz/E o meu coração gira: é uma roda de cores.../Não sei aonde vou, nem vejo o que persigo.../Já não é o meu rastro de ouro que ainda sigo...”
Nunca viu a sua actividade literária como um instrumento ou sequer uma profissão mas sim como um ideal que sempre procurou e colocou acima de tudo.
Como poeta autêntico que foi encarnou, como ninguém, as frustrações e os pesadelos da sua terra, dividida entre a nostalgia da glória e do luxo e a atracção pela modernidade europeia. Tudo nele é angústia pessoal, desencanto e filtração de angústias colectivas.
“...Eu não sou eu nem sou o outro/Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio/ Que vai de mim para o outro.”
É esse modo de ser freneticamente dispersivo e fragmentário, o principal responsável pelo irreparável desajuste do seu ser:.... “Renunciar, vivendo, ou vencer morrendo”.
A sua obra foi talvez, ela mesma, o mito que alimentou a vida de Sá-Carneiro e que ditou a sua morte no momento exacto em que as últimas saídas visíveis se fecharam à sua frente.
Nas suas cartas a Fernando Pessoa transmite a ritmo crescente os seus problemas e o seu desespero.
Seu único amigo foi na realidade Fernando Pessoa que o compreendeu e ajudou conforme pôde e a quem escreveu um bilhete antes de se suicidar:"Um grande, grande adeus do seu amigo Mário de Sá-Carneiro”.
Demonstrando uma coerência extraordinária Sá-Carneiro numa coragem impetuosa, numa solidão extrema, confronta-se com a morte prematura e inexorável e suicida-se em 26 de Abril de 1916 no Hotel Nice, em Paris, com vários frascos de arseniato de estricnina.
Foi enterrado em 29 de Abril no cemitério de Pantin, desaparecendo a sepultura em 1949.
Obras editadas: Amizade (teatro) Mário de Sá Carneiro e Thomaz Cabreira Júnior (1912); Princípio (novelas) (1912); Dispersão (poemas) (1914); A Confissão de Lúcio (novela) (1914); Céu em Fogo (contos) (1915); Indícios de Oiro (1937); Cartas a Fernando Pessoa (dois volumes) (1958-1959).
N.B. Poeta/escritor foi marcado por uma personalidade oscilante entre o delírio e a confusão dos sentimentos e dos sentidos.
Essencialmente a sua poesia é auto-sarcástica.
De um narcisismo frustrado e sem poder satisfazer as suas carências viveu quase sempre com um sentimento de abandono até à parte final da sua vida onde demonstra a sua decadência e o seu saudosismo.
A sua crise de personalidade, que se traduziu no frenesim da experiência sensorial e no desejo do extravagante, foi a solidão, a incapacidade de viver e de sentir o que desejava (sente-se no poema Quase), que o levou a uma tentativa de dissolução do ser, consumada na morte.
“Sá-Carneiro não teve biografia: teve só génio. O que disse foi o que viveu." Estas palavras de Fernando Pessoa resumem bem a vida de um grande poeta que escolheu a morte na Primavera da sua vida.
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (1890-1916). Aida Nuno.

www.anossaancora.org