Nasceu em Lisboa e aos 5 anos tornou-se órfão de pai. Foi levado pela mãe e pelo padrasto para a África do Sul, onde fez seus estudos secundários com notável brilho. Aos 17 anos, regressou a Lisboa e cursou Letras e Filosofia, mas sua profissão foi a de correspondente comercial em línguas estrangeiras. Em 1915, liderou um grupo de jovens no lançamento da revista Orpheu, que marca o início da literatura moderna em Portugal. Após o desaparecimento da revista, Pessoa entregou-se a uma vida solitária dedicada à poesia e ao álcool. Seus poemas são divulgados pela prestigiosa revista Presença, mas o único livro publicado em sua vida foi Mensagem. Uma aguda crise de cirrose hepática o mataria aos 47 anos. Apesar da relativa obscuridade em que veio a falecer, era certamente uma das grandes vozes da poesia ocidental do século XX.
Traduzindo um mundo multifacetado (ele é contemporâneo da I Guerra Mundial), em que todos os valores considerados eternos desabavam, todas as certezas desapareciam e uma imensa crise filosófica e ideológica comovia o Ocidente, Fernando Pessoa registraria poeticamente esse vácuo aberto diante de sua alma de artista moderno.
Não podemos esquecer que atrás de si, ele tinha a poesia suprema de Camões e a de todos os clássicos portugueses. Ou seja, uma tradição impossível de ser renegada. Já diante do presente, Pessoa se sentia seduzir pelos experimentos de vanguarda, cubismo e futurismo em especial, o que o aproximava das rupturas literárias mais radicais. Atrás de si ele tinha um país que conquistara parte do mundo e que hoje – conforme sua próprias palavras – era apenas “nevoeiro”. Já no presente, deparava-se com a emergência de novos sistemas sócio-políticos (Comunismo, Fascismo) que afirmavam estar construindo o “novo homem”, enquanto Portugal continuava com seu provincianismo e sua letargia histórica.
Portanto, a existência do poeta estava dilacerada pela ausência de verdades absolutas e um caos interior parecia fragmentar sua personalidade e, em seguida, multiplicá-la. Estabeleciam-se as condições de nascimento dos heterônimos.
Ao contrário dos pseudônimos – vários nomes para uma mesma personalidade – os heterônimos constituem várias pessoas que habitam um único poeta. Cada um deles tem a sua própria biografia, sua temática poética singular e seu estilo específico.É como se eus fragmentados e múltiplos explodissem dentro do artista, gerando poesias totalmente diversas. O próprio Fernando Pessoa explicou os seus heterônimos:
Por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e Ideias, os escreveria.
Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo Reis e os de Álvaro de Campos que ser considerados. Não há que buscar em quaisquer deles Ideias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem Ideias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler.
Em outra ocasião, o poeta explicou o nascimento de cada um dos heterônimos:
Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (…)
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à Ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas cousas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada (…). Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. (…)
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfa de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem. (…)
Em síntese: Fernando Pessoa não é um só, multiplica-se em vários poetas. Ou como diz Massaud Moisés: “Através desse processo, o poeta se habilita a ver o mundo como outros indivíduos o vêem, antes e depois dele, tentando explicar o caos e atingir alguma verdade dentro da floresta de relativismos em que se acha cercado.”
Fonte: www.pessoa.art.br
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