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Auto da Barca do Inferno
Na tradição medieval, o céu é para poucos
Denomina-se auto uma peça de tradição medieval e de caráter popular que verte assuntos religiosos ou profanos. Enquanto divertiam, os autos tinham função moralizadora.
A mentalidade medieval, voltada à religiosidade, acreditava que, após a morte, as almas eram conduzidas a embarcações que as transportavam ao Céu, Inferno ou Purgatório. Em cada barca, um anjo ou o demônio as julgava. Gil Vicente, em Auto da Barca do Inferno, encerra uma virulenta crítica ao condenar todos aqueles que carregavam os valores terrenos, como é o caso do Fidalgo orgulhoso, do Usurário que não se liberta do dinheiro, do Sapateiro que explora o povo e quer comprar seu lugar no reino dos Céus, do Frade dominicano, dissoluto, acompanhado por uma concubina, da Alcoviteira, do Judeu, do Enforcado e alguns outros. Os personagens são alegóricos e a maior parte deles é condenada ao fogo do inferno, indo para o Céu somente um Parvo e quatro Cavaleiros das Cruzadas, que matam, mas lutam pela fé de Cristo. O auto transcorre ligeiro, perfeito e bem-humorado, não lhe faltando lapidação de personagens e crítica social, fatores que atribuem atualidade à produção de Gil Vicente.
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A Farsa de Inês Pereira
Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube
A Farsa de Inês Pereira é considerada a mais complexa peça de Gil Vicente. Ao apresentá-la, o teatrólogo português diz: "A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, na era do Senhor 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: é um exemplo comum que dizem:
Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube.
E sobre este motivo se fez esta farsa."
A obra pode ser dividida em cinco partes: a primeira é um retrato da rotina na qual se insere a protagonista; a segunda reflete a situação da mulher na sociedade da época, cujos registros são dados pela mãe de Inês, pela própria Inês e por Lianor Vaz; a terceira mostra o comércio casamenteiro, representado pelos judeus comerciantes e pelo arranjo matrimonial-mercantil de Inês com Brás da Mata; a quarta considera o casamento, o despertar para a realidade, contrapondo-a ao sonho que embalava as fantasias da protagonista e, finalmente, a quinta parte reflete a realidade brutal da qual Inês, experiente e vivida, procura tirar proveito próprio. A peça apresenta uma situação concreta, com uma personagem bem delineada psicologicamente e um fio condutor melhor configurado que as produções anteriores de Gil Vicente.
O enredo é simples: uma jovem sonhadora procura, por meio de um casamento com homem ioavisado que saiba tanger violala, fugir à rotina doméstica. Despreza a proposta de Pero Marques, filho de um camponês rico, homem tolo e ingênuo, e aceita se casar com Brás da Mata, escudeiro pelintra e pobretão. No entanto, os sonhos da heroína são logo desfeitos, porque o marido revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e explorando-a. Brás da Mata vai para a África e lá vem a falecer. Inês, ensinada pela dura experiência, toma consciência da realidade e aceita se casar com Pero Marques, seu primeiro pretendente. Depressa também a jovem aceita a corte de um falso ermitão. A farsa termina com o marido (cantado por ela como cuco, gamo e cervo, tradicionalmente concebidos como símbolos do homem traído) levando-a às costas (asno que me carregue) até a gruta em que vive o ermitão, para um encontro nada ingênuo.
Fonte: editoranucleo.com.br
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