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Diz logo o Mordomo [Escudeiro], ao dono da casa: Eis, senhores, o Autor, por me honrar nesta festival noite, me quis representar üa farsa; e diz que por se não encontrar com outras já feitas, buscou uns novos fundamentos para a quem tiver um juízo assi arrazoado satisfazer. E diz que quem se dela não contentar, querendo outros novos acontecimentos, que se vá aos soalheiros dos Escudeiros da Castanheira, ou d'Alhos Vedros e Barreiro, ou converse na Rua Nova em casa do Boticário, e não lhe faltará que conte. Porém diz o Autor que usou nesta obra da maneira de Isopete. Ora quanto à obra, se não parecer bem a todos, o Autor diz que entende dela menos que todos os que lha puderem emendar. Todavia, isto é pera praguentos: aos quais diz que responde com um dito de um filósofo, que diz: Vós outros estudastes para praguejar, e eu pera desprezar praguentos. E contudo quero saber da farsa, em que ponto vai. Moço! Lançarote! Moço: Senhor. Escudeiro: São já chegadas as figuras? Moço: Chegadas são elas quase ao fim de sua vida. Escudeiro: Como assi? Moço: Porque foi a gente tanta, que não ficou capa com frisa, nem talão de çapato, que não saísse fora do couce. Ora vieram uns embuçadetes, e quiseram entrar por força; ei-lo arrancamento na mão: deram üa pedrada na cabeça ao Anjo, e rasgaram üa meia calça ao Ermitão; e agora diz o Anjo que não há de entrar, até lhe não darem üa cabeça nova, nem o Ermitão até lhe não porem üa estopada na calça. Este pantufo se perdeu ali; mande-o v. m. Domingo apregoar nos púlpitos, que não quero nada do alheio. Escudeiro: Se ela fora outra peça de mais valia, tu botaras a conciência pela porta fora, pera a meteres em tua casa. Moço: Oh, se o ela fora, mais conciência seria torná-la a seu dono, quem a havia mister para si. Escudeiro: Ora vem cá: vai daqui a casa de Martim Chinchorro, e dize-lhe que temos cá Auto com grande fogueira; que se venha sua mercê pera cá, e que traga consigo o Senhor Romão d'Alvarenga, pera que sobre o Cantochão botemos nosso contraponto de zombaria. Ouves, Lançarote? Ir-lhe hás abrir a porta do quintal, porque mudemos o vinte aos que cuidam de entrar por força. Indo-se o Moço diz: Chichelo de Judeu, assi como foste pantufo, que te custava ser üa bolsa com um par de reales, que são bons pera escudeiro hipócrita, que são muito e valem pouco? Escudeiro: Moço, que estás fazendo que não vás? Moço: Senhor, estou tardando, e porém estou cuidando que se agora fora aquele tempo em que corriam as moedas dos sambarcos, sempre deste tiraria pera üas palmilhas. Mas já que assi é, diga-me v. m. que farei deste? Escudeiro: Oh fideputa bargante, esperai, que est' outro vo-lo dirá. Faz que lhe atira com outro pantufo,
Não há mais mau conselho, que ter um vilão destes mimoso, porque logo passam o pé além da mão, zombam assi da gravidade de seu amo. Mas tornando ao que importa, vossas mercês é necessário que se cheguem uns pera os outros, pera darem lugar aos outros Senhores que hão de vir; que de outra maneira, se todo o corro se há de gastar em palanques, será bom mandar fazer outro Alvalade; e mais que me hão de fazer mercê, que se hão de desembuçar, porque eu não sei quem me quer bem, nem quem me quer mal: este só desgosto tem um Auto, que é como ofício de alcaide; ou haveis deixar entrar a todos, ou vos hão de ter por vilão ruim. Entra Martim Chinchorro, falando com
Entre v. m.
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