Revista "O Sítio de Dona Benta"

Rio, 11 de novembro de 2001
Estudiosos de Lobato desconhecem a revista
Há quem desconfie que a revista “O Sítio de Dona Benta” nunca chegou a ser editada. É o caso de Laura Athayde Sandroni, ex-diretora da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, mestre em literatura e estudiosa da obra de Monteiro Lobato. Na tese “De Lobato a Bojunga — As reinações renovadas” (editada em 1987 pela Agir), ela defendia que, ao publicar, em 1921, “A menina do narizinho arrebitado”, José Bento Monteiro Lobato inaugurava o que se convencionou chamar de fase literária da produção brasileira destinada a crianças e jovens.
— Lobato foi o primeiro autor a derrubar aquele estilo empolado usado pelos autores que escreviam para crianças até então e a usar uma linguagem simples, original e criativa, na qual sobressai o coloquial. Por ser um empreendedor nato, Lobato era um homem cheio de Ideias e projetos. Alguns vingavam, outros não. Deve ser o caso dessa revista, da qual nunca ouvi falar.
No Museu Monteiro Lobato, instalado na Biblioteca Infanto- Juvenil Monteiro Lobato, da Prefeitura de São Paulo, a bibliotecária Jacira Rodrigues garante que lá não existe nenhum exemplar da revista “O Sítio de Dona Benta”, mas admite que um dos documentos menciona a publicação. Fato que causa estranheza, diante da determinação demonstrada pelo autor ao encaminhar ao Ministério da Justiça o pedido do seu registro.
Amiga de Lobato lembra criação de personagens
Amiga da família do escritor e fundadora do Museu Monteiro Lobato, Hilda Vilella, 91 anos e memória espantosa, recorda-se da editora União Jornalística Brasileira, mas é outra que desconhece a revista. Ela, contudo, acha importante vir a público essa vontade do autor do “Sítio do Picapau Amarelo” de ter compilado em uma revista dedicada à Dona Benta os vários episódios infantis que escreveu.
— O nome do Sítio do Picapau Amarelo quem deu foi a Emília, que se auto-intitulava “dadeira de Ideias”, mas toda a obra dele gira em torno da sua experiência com a fazenda em Taubaté e a família. A única personagem inspirada em uma pessoa de fora foi justamente a Dona Benta, que era a avó de um colega dele de Macaé, chamado Pedro de Castro. Depois esse rapaz andou dizendo que inspirou Pedrinho. Que nada, Pedrinho era o próprio Lobato, cheio de Ideias.
Luciana Sandroni, uma das roteiristas do “Sítio do Picapau Amarelo” que a TV Globo leva ao ar toda manhã, comemora a discussão:
— Que bom termos um motivo para falar de Lobato.
Luciana é também pesquisadora do autor e releu toda sua obra na faculdade, quando escreveu o livro “Minhas memórias de Lobato” (Cia. das Letrinhas), em que conta a vida do escritor para crianças. Ela é outra que desconhece o projeto do autor de editar uma revista com o nome “O Sítio de Dona Benta”.
— Adaptar o “Sítio” para a modernidade, quando falamos em computador e outras tecnologias, não é difícil, porque o Lobato é muito imaginativo. Ele tocou nessas questões em “Viagem ao céu”, antecipou coisas, o que nos permite ousar sem limites — diz Luciana.
Pesquisador destaca aspectos novos do autor
Ao tomar conhecimento do pedido de registro da revista “O Sítio de Dona Benta”, o pesquisador José Roberto Whitaker Penteado, autor do livro “Os filhos de Lobato — O imaginário infantil na ideologia do adulto”, exclama:
— Não diga! Eu pesquiso Lobato há mais ou menos dez anos e nunca ouvi falar disso.
Whitaker Penteado aponta dois aspectos interessantes na existência desse documento:
— Um é o fato de eu já vir apontando, desde que escrevi o meu livro, da vontade demonstrada por ele de ser o precursor da revista em quadrinhos para crianças no Brasil, independentemente de tê-las feito ou não. O tipo de narrativa que ele empregava nos leva a crer que esse projeto devia ter esse espírito. O outro é a demonstração de ele não estar muito seguro de que o nome Sítio do Picapau Amarelo fosse marcante o suficiente para as crianças. São aspectos novos de Lobato — considera.
Bibliógrafo de Monteiro Lobato e professor da Escola de Comunicação da UFRJ, Humberto Marine lançou, no ano passado, pela Editora Vozes, o livro “O estranho caso de Monteiro Lobato com a identidade nacional”. De acordo com sua interpretação, o escritor sempre investiu mais na literatura adulta, que era onde ele tentava valorizar a cultura brasileira e fortalecer, junto à população, o folclore.
— Tanto que o primeiro Saci que ele fez foi para adultos — reforça.
Para bibliógrafo, revista podia ser canal de críticas
Para Humberto, Monteiro Lobato fugia do seu desencanto com o país na literatura infantil, na qual podia tocar em certas questões sem ser interpelado pela censura. O bibliógrafo dá exemplo do livro “Geografia de Dona Benta” (1936), no qual ele aborda a questão separatista de São Paulo do resto do Brasil, por intermédio da personagem. O livro foi muito criticado. Outro até mesmo passível de busca foi o livro “Peter Pan” (1930). As autoridades não gostaram nada de ver aquele garoto às voltas com o “pó do pirlim-pim-pim”.
— “O Sítio de Dona Benta” deve ter sido um microcosmo imaginado por ele para fugir à censura e reunir suas críticas, até então feitas em episódios esparsos — deduz.
Fonte: www.lobato.com.br