Em O Ateneu (1888), um dos únicos livros de Raul Pompéia, percebe-se a grande capacidade do autor em captar a essência do que somos quando estamos nos formando como pessoas.
São memórias de um Sérgio já adulto que lembra os primeiros dias no internato até o momento em que vai afirmando o próprio espaço, a própria individualidade em meio a uma coletividade díspare e ansiosa por esmagar os mais fracos.
É célebre o início do livro quando pai diz a Sérgio que ele descobriria o mundo; com efeito, não só o personagem como o próprio leitor está diante do mundo, o das sensações, em especial.
As primeiras impressões foram boas, não percebera ainda a sensação de solidão que viveria depois. Sérgio relata toda a tristeza por estar em meio a pessoas desconhecidas, apesar de alguns momentos felizes no colégio, o que ficou em sua memória foram momentos dramáticos, de sentimentos negativos em relação à vida no colégio, motivados pela figura do diretor Aristarco, de alguns professores e de vários alunos.
Sérgio vê Aristarco como um diretor pouco preocupado de fato com a educação dos alunos. A imagem que passa é a de um homem afeito aos galanteios, ao status que o cargo lhe conferia e que, por isso mesmo, procurava agradar aos meninos filhos de pessoas poderosas, e desferir sua raiva naqueles sem grandes possibilidades de defesa.
Franco era um dos alunos e fora pego urinando no poço que servia de reservatório para lavar a louça utilizada na hora das refeições. Foi castigado por Aristarco e humilhado pelos demais alunos; essas desventuras aproximaram Sérgio de Franco. No entanto, Sérgio percebeu que Franco, assim como os outros colegas, não seria uma amizade muito construtiva, isto porque Franco, para se vingar, jogou cacos de vidro no poço de água próprio para o banho.
As poucas figuras femininas se resumiam às duas faces da mulher: sedutora e protetora. A primeira função é exercida por Ângela, camareira de dona Ema, esposa de Aristarco, a qual, por sua vez, exercia a segunda função. Ângela tinha vinte anos e, num colégio interno exclusivamente masculino, despertava paixões diversas nos alunos. Sérgio destaca o aspecto simbólico do nome Ângela, derivado de anjo; no entanto, é um anjo que tenta e nem sempre guarda, para lembrar versos famosos de Gregório de Matos. Ema, anagrama de mãe, possibilitava aos alunos, especialmente ao Sérgio, a lembrança da experiência doméstica, maternal, por assim dizer.
As memórias chegam ao fim com a destruição literal do próprio colégio. Américo, um aluno novo, contrariado por estar estudando no Ateneu, e também por ter sido chamado a atenção por Aristarco, resolveu se vingar, ateando fogo no colégio, destruindo-o totalmente.
O final trágico funciona como uma espécie de castigo pelos desmandos do diretor e também pelo que ele representava, como senhor absoluto e ditatorial. Sérgio finaliza suas memórias do seguinte modo: "aqui suspendo a crônica das saudades. Saudades verdadeiramente? Puras recordações, saudades talvez, se ponderarmos que o tempo é a ocasião passageira dos fatos, mas sobretudo - o funeral para sempre das horas". Em outras palavras, a narrativa funciona como uma forma de expiação de momentos ruins da infância de Sérgio.
Fonte: www.redacional.com.br
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