Estava assistindo televisão certo dia e vi uma cena que me deixou bem chateado. Médicos cubanos desembarcando no aeroporto sei lá de qual cidade brasileira para participar do programa mais médicos do governo federal. Passavam por um “corredor polonês” pelo qual eram agredidos psicologicamente, só não eram fisicamente porque havia um bom contingente de seguranças. Até aí já era uma coisa bem ruim, mas não me deixaria indignado a ponto de escrever um texto. Uma palavra, uma simples palavra fez com que eu pegasse a caneta e começasse a destilar minha revolta. “Escravo!!! Escravo!!! Escravo!!!”. Era o que eu ouvia. Olhei com mais atenção para a tv e vislumbrei a cor da pele dos médicos que desembarcavam. Que droga é essa? Racismo! Concentrei minha atenção na matéria que estava sendo apresentada e não havia mais dúvidas. Os caras (se dizem médicos) tinham ido lá protestar contra os médicos, mas ao ver os “negrões” chegando não se conformaram. “Além de tomar nosso emprego ainda são pretos!!!”.
Não é de hoje que tenho sérias restrições a maioria dos médicos. Eles parecem que estão te fazendo um favor. Nem olham na sua cara. Mal ouvem o que você tem a dizer e já vão escrevendo alguma coisa. Escrevem aquelas linhas ridículas de receita que nem sei como o farmacêutico (balconista) consegue ler, e já vão chamando o próximo sem ao menos olhar uma vez nos olhos do paciente. Muitas vezes saí com medo de comprar o remédio descrito naquela receita, queria mesmo era comprar o remédio que minha vizinha aconselhara, pelo menos ela tinha mais consideração por mim. Quando operei então, praticamente deixei meu testamento. Voltar era como um prêmio. O que eu podia esperar desses caras? Certa vez tive um problema de saúde que se arrastou por anos. Num dos tratamentos eu tinha que tomar injeção todo dia, depois de muito tempo sem melhora, e com meus dois braços saturados de tanta picada; fui ao médico saber quando seria minha melhora. Ele simplesmente disse que o remédio na verdade não servia para nada e que eu nunca melhoraria daquele problema. Naquele momento minha vista escureceu, atrás dele uma bela vista de uma janela de um belo prédio da alta bela vista próxima a avenida paulista, eu quis me agarrar àquele “filho da puta” e nos arremessar rumo ao chão podre de São Paulo. Deus é grande, e eu saí, e eu andei, e eu chorei por toda aquela Avenida Paulista. E no final dela, na Avenida Consolação eu enxuguei as lágrimas, peguei um daqueles livros antigos (Jesus filho do homem-Khalil Gibran) que os “malucos beleza” vendiam nas banquinhas próximas a galeria subterrânea. Esperei meu ônibus passar e fui embora lendo o livro e seguindo simplesmente a vida.
Por isso quero comemorar a vinda destes médicos estrangeiros, e mais particularmente estes médicos Cubanos que foram vítimas de racismo. Racismo feito por um grupo de elite da sociedade que só pensa em ganhar dinheiro, e está morrendo de medo que este pessoal resolva ficar por aqui e tome o lugar deles. Pesquisei mais um pouco na internet sobre eles e o que li me deixou mais fã ainda, eles falam daquele calor humano que os pacientes sentem falta nos médicos brasileiros: “Acho que os que agrediram meus colegas cubanos têm medo do nosso trabalho, porque já soube que eles não tocam o paciente. Acho que estão com ciúmes de nós”. “Tivemos uma acolhida calorosa. O povo brasileiro é parecido com o cubano”. "Quando formos embora vão ficar com saudades". “Trabalhei na África. O Brasil é o paraíso”. “Gosto muito da medicina, da minha profissão. Gosto de ajudar outras pessoas que necessitam da minha ajuda e aprender coisas novas. Esta é uma oportunidade”. “Nossa motivação principal é a solidariedade. Não temos medo da situação da saúde brasileira”. “Somos cubanos. Nosso salário cubano está sendo recebido pela nossa família. Não precisamos de muito aqui. Quando morei em Moçambique, um recém-formado ganhava US$ 5 mil e eu muito menos. Mas eu sou cubana, tenho tudo que preciso no meu país”.
Autor: Arnold Gonçalves
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