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Era final dos anos noventa, quando contratei os serviços de uma agência de turismo e fui conhecer as cidades históricas de Minas Gerais. Optei por esta região em uma época em que a grande maioria escolhia passeios em locais com praia. Me diziam: “- Minas histórica! Que chatice!”; mas eu queria um passeio cultural, e foi o que realmente consegui. Tanto pelas muitas coisas da história que vi e senti, mas surpreendentemente, pela constatação de uma certa vergonha que a população da maior parte dos locais sentiam em relação a sua própria condição histórica. O que isso tem haver com a tragédia de Mariana? Pois é, aparentemente nada, mas... Foi neste passeio que esta vergonha contida me chamou a atenção na época e reacendeu quando vi nos meios de comunicação os acontecimentos trágicos em Mariana. Estávamos justamente em Mariana, aguardando o restante do grupo que saia de uma igreja antiga, quando me chamou a atenção um grupo de locais sentados a beira do caminho, como quem nada tem a fazer, conversando entre si, fazendo piadas que tiravam de trouxas os turistas. Não havia sido a primeira vez que sentia esse procedimento de locais, e algum tempo depois não contive a curiosidade e questionei o guia local sobre este estranho comportamento dos habitantes da cidade. Ele me contou sobre a decadência da exploração turística na região: muitos itens eram roubados ou danificados, a maior parte com destino a colecionadores particulares; muitos prédios abandonados, alguns de extrema importância histórica; muitos museus e igrejas fechadas à visitação; muitos itens escondidos, trancafiados com a finalidade de evitar o seu furto ou roubo; etc. Tudo isso afugentava os turistas e até o status de patrimônio da humanidade estava ameaçado devido a falta de manutenção. Fora isso, a maior parte das cidades estavam voltando suas atenções para a exploração de mineradoras, que traziam uma enxurrada de dinheiro para os municípios. A população migrava em massa para o trabalho nestas empresas e se posicionavam alheias a atividade turística. Algumas cidades simplesmente abandonaram agendas culturais e turísticas, voltando os seus esforços somente para dar condições às mineradoras produzirem e gerarem receita. Questionei sobre os problemas relativos a poluição, já que sou paulistano da gema, crescido num bairro industrial, um dos mais poluídos da cidade. O guia deu de ombros e disse: “eles não acreditam nisso”. Fiquei triste e pensei: “coitados dos filhos destes habitantes”. Passados vinte anos daquele acontecimento, vejo a tragédia, ou melhor, uma tragédia, e quantas mais virão, ou, quantas já vieram e não foram notificadas. É uma pena que as pessoas só aprendem sofrendo. Elas não conseguem aprender com o sofrimento dos outros. Para um país que já teve a história de Cubatão, é uma vergonha repetir tantas vezes os mesmos erros relativos a problemas com poluentes. E porque os erros se repetem? Não há planos de contenção de poluentes; não há estudos consistentes sobre o assunto; não há fiscalização confiável; há a ausência do governo; há a impunidade aos poderosos; as vítimas são tratadas como culpadas; o objetivo de todos os envolvidos é simplesmente ganhar dinheiro; a poluição só mata aos poucos e não aparece de imediato; a ignorância faz pensar que nada vai acontecer; as grandes empresas mandam nas cidades; ... etc. Não sou contra a introdução de grandes empresas nas cidades, mas abandonar as demais fontes de divisas não é uma coisa boa. Não é de bom tom ficar nas mãos de uma única fonte, tem que multiplicar as fontes de receitas, de forma que nenhuma seja imprescindível. Caso contrário teremos muitas outras Marianas pela história afora. Autor: Arnold Gonçalves Para saber mais:
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