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Recebi a missão de escrever sobre o que ocorre em nosso dia a dia. Adentrei o vagão do metrô, pensativo, sobre o que escrever? O vagão estava meio cheio, meio vazio, e no fundo, do outro lado, surgiu uma figura logo que as portas do trem fecharam. Era mais uma vendedora pedinte com seus papeizinhos e balinhas de goma de eucalipto. Fiquei observando ela se aproximar, mas não a via, de fato. Pensava nas minhas coisas corriqueiras e banais. Em como iria resolve-las. Conforme a figura semi cambaleante foi se aproximando, fui notando alguns detalhes. Era jovem, e apesar do semblante sofrido e dos farrapos travestidos de vestimenta, ainda apresentava certa beleza, o belo intrínseco da juventude. Passou rente a mim e ofereceu o famigerado papelzinho; não peguei, como de costume, e fixei meu olhar nos olhos dela. E percebi que nada via, aquela pessoa. Seu olhar vago, atento apenas ao tilintar das moedas, e ao movimento de mãos rumo aos bolsos e bolsas. A próxima estação se aproximava e aquela pessoa se postou defronte a porta de saída, bem ao meu lado, esperando-a abrir para seu destino seguir no próximo vagão. Olhava fixamente para o vidro da porta, e este olhar se perdia na parede cinza e fria do túnel infinito. Era como sua vida, refletindo no vidro da porta. O olhar vazio... Quais caminhos trouxeram esta moça até este momento? E o futuro? O que a espera no próximo vagão? Talvez a segurança, para extorqui-la. Ou seu protetor, para continuar a explorá-la. Ela se foi, e voltei minha atenção para dentro do vagão. Notei que o olhar vazio não era um privilégio somente dela. Quase todos, ali, fixavam o nada. Retirando o grande número daqueles escravizados pela tela do celular, a quase totalidade dos demais apresentavam um mesmo fenômeno entristecedor. Adultos, indo e voltando do trabalho. Jovens, indo e voltando da escola. Cada um com a sua história, mas sempre iguais em resultado. A ausência da alegria, esperança, empolgação... pelos novos dias. Que vida é esta que nós levamos? Estamos mortos pensando estarmos vivos? Ou estamos vivos com o sentimento de estarmos mortos? Escrever sobre o que ocorre no dia a dia da atualidade é abordar sobre a letargia que envolve o nosso existir. Para aquela moça, assim como para a grande maioria de nós, em seu profundo inconsciente, estar viva ou morta, tanto faz, pois não há alegria em viver, não há quase nada que a faça sorrir de verdade. E o que é pior, a cada um, pouco importa o que de mal possa ocorrer com ela, ou com qualquer outro, desde que ocorra em outra composição, para não atrapalhar o itinerário rumo a resolução dos problemas corriqueiros e banais que devem ser resolvidos no dia a dia. Até o final, vazios. Autor: Arnold Gonçalves |
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