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Lembro, com pesar, de um tempo em que o deficiente era tratado como um problema, algo a ser eliminado da sociedade. Comum era serem abandonados em abrigos, hospícios, orfanatos... Depósitos de pessoas tidas como imprestáveis. Quando não, eram trancafiados dentro das casas, escondidos pela própria família, que na ânsia de protegê-los, os torturavam ainda mais que suas próprias limitações. Os anos 1980 chegaram com novos ares para o país, e a sociedade timidamente abriu horizontes para as pessoas com limitações. Aos poucos, muitos deles foram ocupando espaços de relevância social, e isto muito contribuiu para que no início dos anos 1990 fosse ratificada uma lei de cotas para os deficientes. A partir de então, empresas com mais de cem funcionários obrigatoriamente deveriam destinar uma quantidade de vagas para pessoas com deficiência. Lembro bem que muitas empresas, na época, pediam ajuda aos próprios funcionários para que indicassem conhecidos que pudessem suprir estas vagas. Nestes anos que se seguiram a lei, trabalhei com diversas pessoas com deficiência física, e devo registrar que todas elas sempre se mostraram extremamente competentes e dedicadas ao trabalho. Aprendi muito com elas, profissionalmente e mesmo como exemplo de força existencial. Os anos foram passando e dos anos 2000 para cá venho notando cada vez menos pessoas com deficiência em boas funções de trabalho formal. Até mesmo na reforma da previdência ocorrida em 2019 houve uma forte ameaça a lei de cotas para os deficientes. Outros mecanismos talvez tenham sido inventados para diluir esta quantidade de vagas, ou os próprios deficientes tenham se integrado de forma tão perfeita à sociedade, que quase não notamos as suas deficiências. Quem sabe a sociedade esteja próxima da integração total a ponto de não ter nem a ideia de distinguir pessoas por categoria de perfeita ou deficiente, pois na verdade, ninguém é perfeito. Cada um tem um problema pessoal grave e também uma qualidade especial que a maioria não tem. O mercado de trabalho é inteligente e sabe que para cada atividade há um perfil específico, e ser “deficiente” pode ser um diferencial. Autor: Arnold Gonçalves |
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